Legislação

Relatório: o modelo sueco de criminalizar o trabalho sexual

Um belo exemplo de colaboração internacional entre trabalhadoras sexuais, num momento em que vários países discutem projetos de legalização da prostituição enquanto outros debatem a criminalização de clientes.

O texto abaixo foi disponibilizado em inglês por @GlobalSexWork – Global Network of Sex Work Projects (NSWP).

O que mudou e o que ficou igual desde que o governo sueco criminalizou o trabalho com sexo, mais de uma década atrás?

O relatório resultou de uma visita de Pye Jakobsson, representante das trabalhadoras sexuais da Rose Alliance (Suécia), à Scarlet Alliance, escritório nacional, em Redfern, em 10 de junho de 2011.

“A Suécia vê a si mesma como a sociedade perfeita e decidiu, mais de uma década atrás, que não tolerava mais o trabalho com sexo, o consumo de drogas e a transmissão de HIV. Eles criminalizaram tudo associado com os comportamentos de trabalhadoras sexuais e de usuários de drogas, além da não revelação do status no que se refere ao HIV. Além das leis contra a posse e a venda de drogas, também é crime tomar drogas ou tê-las em seu sistema; como resultado, a prisão de pessoas que tomam drogas é comum. As trabalhadoras sexuais na Suécia enfrentam marginalização sistemática e extrema, e pessoas portadoras de HIV temem o encarceramento e a prisão.

O que se segue são os resultados das políticas de tolerância zero na Suécia:

– Há apenas um programa de seringas e agulhas na Suécia, tocado pela União Sueca dos Usuários de Drogas. Ele tem de operar numa área cinzenta da lei. Médicos não têm permissão para prescrever equipamento de injeção a pessoas suspeitas de usar drogas.

– Os programas de distribuição de camisinhas financiados pelo governo na Suécia têm como alvos apenas homens que fazem sexo com homens. Os Conselhos locais deveriam distribuir camisinhas para as trabalhadoras sexuais, mas na realidade isso só acontece na cidade de Malmö.

– A Suécia tem a maior taxa de condenações relacionadas a HIV no mundo (medida pela Unaids). Isso significa que a Suécia encarcera mais pessoas com HIV do que qualquer outro país no mundo.

– Não há testes de doenças sexualmente transmissíveis anônimos para trabalhadoras sexuais na Suécia.

– Supõe-se que o acesso ao serviço de saúde seja universal na Suécia; contudo, as trabalhadoras sexuais são tratadas de modo muito diferente do de outras pessoas.

– As leis sobre cafetinagem da Suécia têm todo mundo como alvo. Até mesmo o filho de uma trabalhadora sexual foi acusado de cafetinagem, porque não pagava aluguel para sua mãe.

– As trabalhadoras sexuais preferem trabalhar sozinhas, de modo a evitar as leis sobre cafetinagem. Isso marginaliza as trabalhadoras sexuais de suas famílias, colegas e amigos.

– As leis anticliente são usadas de forma maliciosa contra as trabalhadoras sexuais. Por exemplo, ex-parceiros, vizinhos e outros que possam querer assediar uma trabalhadora sexual usarão as leis para fazer isso.

– O número estimado de trabalhadoras sexuais na Suécia é agora o mesmo que era antes da criminalização dos comportamentos relacionados ao trabalho com sexo.

– Afirma-se que o número de trabalhadoras sexuais que trabalham nas ruas caiu na Suécia depois da introdução das leis, em 1999. Contudo, as leis coincidiram com o aumento do uso das redes sociais para contatar clientes, o que é popular entre trabalhadores sexuais baseadas nas ruas no país frio que é a Suécia.

– As leis sobre trabalho com sexo foram aprovadas como parte das leis contra violência doméstica e as leis contra mutilação genital feminina. As leis são vistas e policiadas como se o trabalho com sexo afetasse somente mulheres heterossexuais que trabalham com sexo e seus clientes heterossexuais masculinos; a diversidade sexual e de gênero de trabalhadores sexuais não é reconhecida, e trabalhadores sexuais de outros gêneros e sexualidades raramente são policiados;

– Trabalhadoras sexuais têm perdido suas crianças como resultado da lei. Elas são vistas como incapazes de ser mães quando não se arrependem e deixam o trabalho com sexo.

– Jornais não aceitam anúncios de trabalhadoras sexuais.

– Sites de publicidade de trabalhadoras sexuais baseados na Suécia têm sido fechados.

– O proprietário de um site baseado localmente foi encarcerado por dois anos simplesmente por administrar um site para trabalhadoras sexuais.

– Uma trabalhadora sexual tailandesa que trabalhava com uma amiga visitante foi condenada a um ano e meio de prisão por cafetinagem.

– Trabalhadoras sexuais isoladas não se apresentam aos serviços sociais.

– Os serviços sociais para trabalhadoras sexuais dependem de elas cederem e dizerem que não gostam de seu trabalho, que não querem fazer trabalho com sexo e que estão dispostas a fazer terapias para parar de fazer trabalho com sexo.

– Quando trabalhadoras sexuais não denunciam sua profissão, elas são vistas como tendo problemas de saúde mental. São vistas como mentalmente instáveis, porque veem o trabalho com sexo como um trabalho que não as vitimiza.

– Não há números confiáveis produzidos por esses serviços; não se sabe quantas trabalhadoras sexuais eles assistem e quantas são rejeitadas.

– É amplamente aceito que essas leis têm o objetivo de reduzir severamente a renda das trabalhadoras sexuais. Supunha-se que programas de substituição de renda fossem estabelecidos, mas eles não foram criados.

– As leis veem o trabalho com sexo como 100% vitimizador. A mensagem da lei é a de que nenhuma trabalhadora sexual pode jamais escolher fazer trabalho com sexo.

– Trabalhadoras sexuais têm sido demitidas do setor de saúde (por exemplo, impedidas de ser enfermeiras ou assistentes de saúde), do setor de educação (isto é, demitidas quando são professoras) e da força policial.

– Trabalhadoras sexuais migrantes ainda encaram deportação injusta como resultado de serem avaliadas como tendo recebido “renda desonesta”; esta é uma decisão arbitrária dos funcionários da imigração sueca.

– Trabalhadoras sexuais têm tido negada a permissão para entrar na Suécia, como resultado de funcionários da imigração sueca encontrarem camisinhas em suas malas.

– Recursos da polícia são gastos em seguir clientes às casas de trabalhadoras sexuais, em vigiar essas casas e em esperar que o “evento” aconteça, de modo que o cliente possa ser acusado.

– Ao visitar casas de trabalhadoras sexuais para prender seus clientes, a polícia frequentemente traz assistentes sociais. A polícia, junto com os serviços sociais, em sua pressão para que as trabalhadoras sexuais abandonem o trabalho com sexo, as interroga sobre sua família e suas crianças e faz outras formas de investigação sobre bem-estar social.

– A polícia entra em contato com locadores e os exorta a expulsar trabalhadoras sexuais, ou então eles serão acusados de cafetinagem.

– A polícia informa os vizinhos de que eles têm uma trabalhadora sexual em seu prédio.

– A polícia vê trabalhadoras sexuais como criminosas indesejáveis, e as trabalhadoras sexuais são alvo de vigilância pesada.

– A perseguição emocional e financeira às trabalhadoras sexuais é vista como um resultado positivo das leis; esse uso das leis é visto como apropriado na Suécia.

– Os esforços do governo sueco para combater o trabalho com sexo e para combater o tráfico humano são empacotados juntos; não há diferenciação de políticas entre esses dois fenômenos.

– É impossível identificar o tráfico humano na Suécia, porque ele é visto como o mesmo que trabalho com sexo.

– Há um volume enorme de estigma e discriminação afetando as vidas das trabalhadoras sexuais como resultado das leis, das políticas, da ideia onipresente de que nenhuma trabalhadora sexual pode realmente querer fazer trabalho com sexo, e do tratamento daquelas que querem fazer trabalho com sexo como tendo uma “falsa consciência”.

– Não houve benefícios para trabalhadoras sexuais, usuários de drogas ou portadores de HIV como resultado da atitude sueca perante qualquer uma dessas populações.

As trabalhadoras sexuais se opõem às leis que criminalizaram seus locais de trabalho. As trabalhadoras sexuais na Austrália se opõem à implementação de tais leis na Austrália. As trabalhadoras sexuais em todo o mundo se opõem a tais leis.

Para mais informações, por favor, visite os seguintes links:

Petra Ostergren: “As trabalhadoras do sexo dizem que se sentem incapacitadas pelo Estado, e não respeitadas. Elas sustentam que seus direitos como cidadãs são violados. Várias delas declaram que são uma parte importante da sociedade, que contribuem para ela, mas que são ativamente excluídas dela. Elas também pensam que são negados às trabalhadoras do sexo os benefícios do Estado de bem-estar social – algo que é garantido a todos os outros cidadãos suecos” (tirado de Trabalhadoras do Sexo, Críticas da Política Sueca para Prostituição).

Conferência Europap Reino Unido 2002:
“Concordou-se que o modelo legal sueco (criminalizar clientes de prostitutas) estava sendo elogiado por alguns como sendo um modelo exemplar, mas as trabalhadoras do sexo se manifestaram contra isso” (Participantes da Conferência Europap condenam leis suecas sobre prostituição).

Elena Jeffreys: “A legislação resultou em fazer as trabalhadoras do sexo enfrentarem maior perigo, serem mais mal pagas e ficarem sem os meios para trabalhar em um ambiente seguro” (Suécia não é modelo para leis sobre sexo).

Petra Ostergren:
“A teoria feminista radical que prevalece em questões referentes à violência e ao sexo na Suécia já estava sendo questionada por feministas e acadêmicos trinta anos atrás. Contudo, as teorias alternativas desenvolvidas como resultado dessa crítica não circularam muito na Suécia” (Admiráveis Novos Homens).

Johannes Eriksson: “A visão sueca não parece muito preocupada com as trabalhadoras do sexo como seres humanos, mas sim com a abolição da prostituição enquanto ideia” (The “Swedish model” – arguments, consequences).

Críticas da Bayswan.org às leis suecas.

Scarlet Alliance, da Austrália.

Rose Alliance, da Suécia, no Facebook.

Pye Jakobsson no You Tube.

Rachel Wotton no You Tube.