Repressão na Suécia: nova lei estende “modelo nórdico” para o sexo online
A Suécia endureceu ainda mais as leis de criminalização do trabalho sexual. Em 20 de maio, o Parlamento do país aprovou o projeto de lei 2924/25:124, pelo qual os compradores de serviços sexuais remotos, como vídeos ao vivo e conteúdo erótico em sites como o Onlyfans, podem ser punidos com até um ano de prisão.
“A Suécia diz que esse modelo ‘descriminaliza o vendedor’. Mas quando se criminaliza o comprador, destrói-se a renda, a segurança e a autonomia de quem vende”, publicou a Aliança Europeia pelos Direitos dos Trabalhadores do Sexo (ESWA) no X. “O mesmo acontece online. Isso empurrará as trabalhadoras ainda mais para as sombras, em vez de protegê-las.”
Embora enquadrada como uma medida para combater a exploração, essa legislação representa um perigoso equívoco tanto sobre o trabalho digital quanto sobre as realidades do trabalho sexual. O governo sueco sustenta que as próprias trabalhadoras sexuais não são criminalizadas pelo chamado “modelo sueco”, no qual os clientes de trabalhadoras sexuais são criminalizados, enquanto as trabalhadoras sexuais supostamente não o são.
No entanto, essa distinção é, na melhor das hipóteses, legalista, e profunda e propositalmente enganosa na prática. Quando a compra de um serviço é criminalizada, o prestador de serviços – neste caso, a trabalhadora sexual – é inevitavelmente prejudicado. Os clientes ficam com medo, mais difíceis de serem rastreados e mais reservados, tornando as condições de trabalho para as trabalhadoras sexuais mais arriscadas. A renda se torna instável e o ônus do risco legal e da vigilância muitas vezes recai sobre as próprias trabalhadoras.
Comprar conteúdo pré-gravado, pagar para seguir uma conta onde material pornográfico é postado continuamente ou consumir pornografia sem influenciar seu conteúdo estão fora do escopo da lei, diz o projeto. No entanto, transmitir conteúdo ao vivo em que os espectadores interagem com os artistas, bem como encomendar clipes personalizados, passa a ser ilegal.
O trabalho sexual digital, incluindo webcams e plataformas de conteúdo por assinatura, tornou-se uma tábua de salvação vital para muitas trabalhadoras sexuais, particularmente aquelas que enfrentam discriminação ou exclusão em outras formas de emprego. Indivíduos LGBTQI+, migrantes, pessoas com deficiência e outras que já vivem à margem descobriram que o trabalho sexual digital é mais acessível, seguro e autogerenciado. A pandemia de covid-19 deixou isso especialmente claro: com o desaparecimento dos serviços presenciais da noite para o dia, devido às restrições da pandemia, as plataformas online se tornaram uma fonte crucial de sobrevivência. Essa tendência continua até hoje.

Em comunicado conjunto, a ESWA e o Red Umbrella Sweden dizem que “apesar de receber oposição esmagadora da sociedade civil, especialistas acadêmicos e profissionais do sexo, o governo sueco demonstrou mais uma vez sua relutância em ouvir. O Parlamento sueco ignorou as 1.600 organizações de direitos civis (incluindo a Human Rights Watch (HRW), a European Digital Rights (EDRi), a Access Now e diversas organizações feministas e de direitos das mulheres), pesquisadores acadêmicos, defensores dos direitos digitais, juristas e apoiadores individuais – muitos deles suecos – que assinaram nossa declaração conjunta solicitando a rejeição dessa proposta. Ao fazê-lo, os legisladores suecos optaram por ignorar décadas de pesquisa, incluindo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), Anistia Internacional, UNAIDS e inúmeros estudos científicos revisados por pares, que têm demonstrado consistentemente que o chamado ‘modelo sueco’ de criminalização de clientes prejudica profundamente as profissionais do sexo, coloca a indústria na clandestinidade, aumenta o estigma e reduz o acesso a saúde, segurança e justiça.”
O chamado “modelo sueco”, também chamado de “modelo nórdico”, está em vigor na Suécia desde 1999 e foi adotado posteriormente em países como França e Finlândia. Sob esse regime, clientes de serviços sexuais são criminalizados, mas quem vende sexo não são. O “modelo nórdico” parte do princípio de que toda prostituição é exploração, qualquer pessoa que seja paga por sexo é vítima e qualquer pessoa que pague por sexo é perpetradora de abuso sexual.
Agora, a Suécia está aplicando essas mesmas ideias ao trabalho sexual online. Com a nova lei, que entra em vigor em 1° de julho, trabalhar para um negócio de sexo online (como uma plataforma de webcam) ou vender fotos sensuais diretamente a clientes online continuará sendo legal. Mas patrocinar tais empresas e indivíduos não será. O novo plano renomeia o crime de compra de serviços sexuais como compra de ato sexual e expande a proibição contra ele para incluir atos realizados remotamente e sem contato físico.
O governo faz uma distinção entre a compra de pornografia em geral e a compra de conteúdo ou performances sexuais online de forma a induzir alguém a realizar ou tolerar um ato sexual ou permitir que o comprador participe. Portanto, o novo plano não proibiria estritamente a venda de imagens ou vídeos pornográficos na Suécia. Mas não está claro onde e como exatamente os limites seriam traçados e a lei parece destinada a ter o efeito mais disruptivo no modelo de vendas diretas ao consumidor, que tende a beneficiar profissionais do sexo individuais em vez de empresas de pornografia ou tecnologia.
A rede de defesa dos direitos digitais EDRi comentou: “Os defensores da lei argumentam que ela não afetará plataformas digitais sediadas fora da Suécia, devido ao princípio legal da dupla incriminação. Embora isso possa limitar a responsabilidade direta em teoria, não faz nada para evitar danos colaterais. Na prática, as plataformas respondem de forma conservadora à ambiguidade legal. Após a introdução da lei FOSTA/SESTA nos Estados Unidos, em 2018, até mesmo plataformas sediadas no exterior passaram a proibir conteúdo adulto e a desplataformar profissionais do sexo para evitar qualquer potencial responsabilidade. Hoje, mesmo em países onde o trabalho sexual é descriminalizado, como Bélgica, Nova Zelândia e Austrália, as mídias sociais e as plataformas de pagamento continuam a censurar e excluir profissionais do sexo.
“A lei proposta pela Suécia envia uma mensagem clara às plataformas: há riscos legais se elas hospedarem profissionais do sexo. Como resultado, as empresas podem bloquear geograficamente usuários suecos, restringir pagamentos, aumentar a moderação ou encerrar contas preventivamente. Isso já começou. O OnlyFans, por exemplo, tem um histórico de banimento de usuários com base na localização e na aplicação de políticas de moralidade pouco claras. Profissionais do sexo suecas relatam terem sido banidas de forma oculta e perderem o acesso às suas contas sem nenhuma explicação além de suspeita. A ambiguidade dessa lei, incluindo conceitos indefinidos como ‘indução’ ou ‘propósito principal’ (‘o do comprador era participar ou assistir a um ato sexual’), apenas amplifica esse risco, criando um pesadelo de moderação e responsabilidade para plataformas que preferem pecar pelo excesso de cautela e, portanto, pela exclusão.
Para a EDRi, “organizações pelos direitos digitais devem prestar muita atenção. Essa lei estabelece um precedente perigoso para a intrusão estatal na expressão e comunicação digital privada. Ela abre caminho para que governos justifiquem a vigilância, o policiamento de plataformas e a aplicação seletiva de medidas sob o pretexto de intenções morais ou protetivas. Se um governo pode criminalizar a facilitação da expressão sexual consensual online, da liberdade artística e do trabalho (mesmo quando ocorre em espaços digitais privados), ele legitima uma censura digital mais ampla que se estenderá a ativistas, comunidades LGBTQI+, artistas, jornalistas e muito mais. O precedente de criminalizar o trabalho digital por meio de termos vagos e indefinidos ameaça os princípios de abertura, privacidade e autonomia que sustentam o movimento pelos direitos digitais. O que acontece com as trabalhadoras sexuais hoje pode muito bem acontecer com outras amanhã. As trabalhadoras sexuais têm apoiado campanhas e causas pelos direitos digitais devido à forte crença na importância da solidariedade e à profunda consciência da realidade das lutas interconectadas.”

Segundo o comunicado da ESWA e do Red Umbrella Sweden, “o debate parlamentar (19 de maio de 2025) que precedeu a votação dessa lei deixou a posição do governo dolorosamente clara: os legisladores suecos não estão interessados em ouvir as trabalhadoras sexuais. Eles estão interessados em falar por cima delas. Parlamentares, particularmente dos Social-Democratas, do Partido de Esquerda e dos Democratas Suecos, usaram retórica desumanizante, classista e infantilizante para menosprezar as vozes das trabalhadoras sexuais. Uma deputada do Partido de Esquerda, Gudrun Nordborg, embora reconhecesse a enxurrada de e-mails que recebeu contra a proposta, questionou se as mensagens articuladas que recebeu das trabalhadoras poderiam ter sido escritas por elas, sugerindo, em vez disso, que suas palavras devem ter sido escritas por cafetões. Que vergonha!”
O comunicado prossegue: “Esse tipo de atitude abertamente classista, antifeminista e descaradamente ignorante não é apenas profundamente ofensivo; é perigoso. Revela um profundo desprezo pela inteligência e dignidade das pessoas marginalizadas e reafirma o pior dos instintos paternalistas da Suécia. O debate mostrou que o Parlamento sueco não apenas ignorou as pesquisas, como rejeitou ativamente a ideia de que as trabalhadoras sexuais são capazes de saber o que é melhor para si mesmas. Ao fazer isso, a Suécia falhou não apenas com suas trabalhadoras sexuais, mas também com seus ideais democráticos. Estamos familiarizados com essas táticas. Não importa como falemos, nossas vozes são usadas contra nós. Quando falamos com simplicidade, somos tachadas de incultas ou desinformadas. Quando falamos com clareza e eloquência, somos acusadas de sermos cafetões. Em ambos os casos, o objetivo é o mesmo: nos silenciar.
“Esta votação é um fracasso da democracia na Suécia.
“Nossa campanha contra essa lei repercutiu em muitos lugares. A mídia na Alemanha, França, Bélgica, Holanda e outros lugares ampliou as palavras e advertências das trabalhadoras sexuais. Nossas caixas de entrada transbordaram com mensagens de cidadãos suecos revoltados, envergonhados e prontos para mudanças. Muitas organizações e indivíduos suecos se juntaram a nós para dizer: basta.
“Mostramos que as trabalhadoras sexuais não têm medo de se manifestar, se organizar e exigir melhorias. Provamos que o modelo sueco não é inquestionável e isento de oposição, e que sua suposta autoridade moral está se desintegrando sob crescente escrutínio. Mostramos que o apoio público ao modelo sueco não é mais garantido.
Sejamos claros: essa lei não é proteção. É repressão.”