Trabalho sexual no Reino Unido: O que exatamente significa descriminalizar a prostituição?
Nesta semana um artigo na revista The Economist reacendeu o debate em torno da legalização da prostituição no Reino Unido. Aqui, a dra. Brooke Magnanti explora como seria a descriminalização e diz que estamos muito atrasados no que se refere a repensar os direitos dos trabalhadores.
Por Brooke Magnanti, que ficou conhecida como Belle de Jour, para The Telegraph
Tradução: Monique Prada
Esta semana, seguindo os passos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da The Lancet, entre outros, The Economist saiu firmemente em favor da descriminalização da prostituição. Citando argumentos relacionados à saúde pública (como recentemente destacou a Conferência da AIDS 2014 em Melbourne) e os direitos dos trabalhadores, a reportagem de capa foi dedicada a uma defesa apaixonada da descriminalização total.
Atualmente, no Reino Unido, o trabalho sexual é tecnicamente legal – ao contrário do que pensa a opinião popular (influenciada principalmente por dramas policiais). Vender sexo em si não é ilegal, mas cafetões, bordéis e solicitantes são. Se por um lado isso soa razoável, por outro lado significa que as trabalhadoras sexuais são muitas vezes forçadas a trabalhar sozinhas, ou correm risco de serem presas se (digamos) duas acompanhantes trabalharem juntas no mesmo flat.
A falta de confiança geral na polícia também levou a problemas graves, como destaca o projeto Ugly Mugs – que permite o compartilhamento de informações sobre clientes potencialmente perigosos, e torna mais fácil relatar agressões.
A total descriminalização no Reino Unido, sugerem as estimativas, adicionaria £ 5,3 bilhões ao PIB (enquanto tentar estimar o tamanho exato da indústria do sexo é sempre terreno duvidoso, é seguro assumir que os rendimentos podem na verdade estar subestimados em toda a indústria, por medo de invasão policial).
Mas o que exatamente significa isso?
Na Holanda e na Alemanha, a legalização significa que somente os trabalhadores do sexo licenciados, que trabalham em instalações particulares (como bordéis da Alemanha ou as vitrines famosas de Amsterdã), estão trabalhando legalmente. Isto também é verdade no estado americano de Nevada, onde apenas os bordéis altamente regulamentados e muito regulados são legais. Essas medidas vieram sob o fogo – por ninguém mais do que os próprios trabalhadores do sexo – para promover os abusos no sistema que o tornam, na verdade, pior que lenocínio.
Com a descriminalização, pelo contrário, as trabalhadoras sexuais poderiam trabalhar em qualquer lugar – até mesmo de dentro de suas casas, ou com outras prostitutas – sem quebrar a lei. Legalização dá aos empregadores o equilíbrio de poder; descriminalização retorna direitos aos trabalhadores, tornando-os agentes livres. De acordo com a The Economist, o movimento de trabalhadoras sexuais online é uma bênção para a indústria e já lhes permite maior liberdade. As trabalhadoras sexuais podem construir “marcas pessoais” e selecionar seus clientes, bem como dar e receber feedback. Elas podem operar em uma base freelance flexível e gerenciar reservas em torno de seus outros compromissos. Elas podem compartilhar informações de saúde com os clientes. Em outras palavras, a internet está tornando prostituição mais próxima de se tornar uma ‘indústria de serviços’ regular.
A economia do trabalho sexual
A sugestão de que a prostituição deveria ser descriminalizada tem, é claro, encontrado oposição – especialmente de grupos que promovem o chamado “modelo sueco” – que criminaliza a compra de sexo, ao invés da venda. A Escócia considerou e rejeitou uma lei no ano passado, enquanto na Irlanda e na Irlanda do Norte o assunto vem sendo debatido há algum tempo sem nenhum resultado claro.
A matéria da The Economist tem atraído muita atenção de multidões contrárias ao trabalho sexual. Mas o que é notável é o quão silenciosas essas mesmas vozes estavam quando a OMS e a Lancet chegaram às mesmas conclusões sobre a descriminalização. Por quê? Talvez seja mais fácil atacar a ideologia econômica do que discutir saúde pública com a instituição médica. Mas enquanto nem argumentos econômicos, nem argumentos baseados em razões de saúde são os argumentos ideais, o cerne da questão é garantir os direitos individuais – para muitos que fizeram campanha em nome dos trabalhadores do sexo é, pelo menos, um sinal de apoio crescente baseado em evidências em vez de políticas baseadas em preconceitos. Raramente os argumentos econômicos são levados em conta por aqueles que apoiam o “modelo sueco” (ou End Demand – acabar com a demanda). Por confundir serviços com produtos, eles imaginam que menos clientes resultaria em menos trabalhadoras do sexo. Mas isso não é realista – a suposição de que o número de clientes e o número de prostitutas é necessariamente ligado é, em si, defeituoso. Se menos pessoas comessem em fast foods estariam os atendentes, que ganham salários mínimos, melhores mesmo sem ter trabalho nenhum a fazer? Exato.
A queda na renda – quando você pode obter ‘mais estrondo com seu dinheirinho’ – foi notada pelo The Economist (e apocrifamente em outros lugares por vários anos). É justo dizer que menos trabalhadoras do sexo que operam hoje em Londres ganham tanto quanto eu, por hora, dez anos mais tarde. Segundo a The Economist, o quadro é o mesmo em todo o mundo. Isto no entanto, não resultou em menos fornecimento. Isto acontece em parte porque as pessoas com antecedentes criminais, ou que “saíram do armário” como profissionais do sexo, muitas vezes têm dificuldade para entrar em outro emprego (em alguns estados dos EUA são até mesmo colocadas em listas de criminosos sexuais). Em parte porque – mesmo naqueles lugares onde a oferta de sexo foi descriminalizada – as mulheres ainda são muito estigmatizadas, uma vez que conhecidas como profissionais do sexo. E em parte também porque as oportunidades econômicas em geral não têm sido grande coisa há alguns anos.
Sim, mais trabalhadores do sexo anunciando na web e a proliferação de sites de avaliação e aplicativos tornaram mais fácil para os vendedores e compradores comparar o mercado. Mas o custo de vida continua a aumentar, e aqueles que desejam restringir a prostituição e defender o “modelo sueco” raramente, ou nunca, propõe alternativas viáveis para o trabalho ou mesmo uma campanha para eliminar os registros criminais.
Direitos dos trabalhadores
Para muitos, esta será a primeira introdução à abordagem de direitos dos trabalhadores, que está apenas se adequando à cobertura convencional (como é defendido por alguns, como a ex-trabalhadora sexual e escritora Melissa Gira Grant). Tais argumentos revelam as maneiras interessantes em que os direitos dos trabalhadores podem e devem coincidir com as liberdades individuais. Se isso significar mais mentes se abrindo para um repensar da legislação vigente, por exemplo incorporando o modelo de Merseyside – onde a polícia tem construído laços com os trabalhadores do sexo e declarou a violência contra eles “crime de ódio” – então melhor ainda.
Brooke Magnanti, cientista e escritora, é autora de The Sex Myth: Why Everything We’re Told is Wrong.
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