Hailey Kaas: em defesa dos direitos das trabalhadoras sexuais
Hailey Kaas é socialista e transfeminista. Tu podes ler mais textos dela em Transfeminismo.
Talvez não tenha causa que me sensibilize mais e desperte mais minha solidariedade do que a das trabalhadoras sexuais. Talvez porque historicamente mulheres transexuais e travestis estiveram (e estão) ligadas ao trabalho sexual quer queiram, quer não. Talvez também porque na minha adolescência faltou pouco para que eu trabalhasse com sexo. Cheguei a assinar contrato e filmar para uma produtora de filmes eróticos, mas desisti no último momento.
Sempre gostei de línguas, sempre quis trabalhar com línguas, mas se não tivesse o apoio da minha família teria com certeza trabalhado com sexo. Fiquei com medo do estigma, mas principalmente de perder a aceitação da minha família, conseguida com muito custo.
Pois bem, hoje por circunstâncias da vida, não sou trabalhadora sexual. E é exatamente por isso que não posso me dar ao luxo de falar desse assunto através de achismos ou, pior, sem ao menos saber o que as trabalhadoras sexuais organizadas estão discutindo e demandando. Por isso, prezadas colegas feministas, existe uma infinidade de estudos e textos feitos a cerca de/por trabalhadoras sexuais que são sumariamente ignorados quando o assunto é discutir descriminalização. A Suécia, modelo sempre trazido à tona como “exemplar”, piorou a condição de trabalho das mulheres e precarizou suas vidas. Não sou eu que estou dizendo, são as próprias trabalhadoras suecas, que ninguém quer ouvir.
Quando o assunto é trabalho sexual, mesmo a esquerda socialista não ouve sequer as trabalhadoras sexuais auto-organizadas. Me pergunto como podem se contradizer tanto. O socialismo deve ser feito/ter como base os trabalhadores, mas quando o assunto é trabalho sexual, as trabalhadoras sexuais são incrivelmente ignoradas. É muito fácil misturar tráfico, exploração e trabalho sexual sem nunca ter conversado com uma trabalhadora sexual. Algumas feministas acusam as trabalhadoras organizadas de “glamourizarem” o trabalho sexual ou de serem de “classe média”.
Sinto informar que a maioria dessas talvez tenha uma qualidade de vida melhor, mas começaram fazendo ponto na rua como muitas outras. Há travestis e mulheres trans* que hoje representam algumas ONGs que ralaram MUITO para chegar onde chegaram, apanharam muito e tiveram a SORTE de não morrer.
Alguns chamam as trabalhadoras autônomas de “pequeno-burguesas”. O engraçado é que quando são autônomas, são pequeno-burguesas, mas quando são trabalhadoras de clubes, são vítimas exploradas por um cafetão (ou cafetina) e por isso também não são ouvidas. Isso não significa negar que existe exploração ou a figura (mitificada) do cafetão, mas certamente parece que nunca tratam trabalho sexual como um trabalho, muito embora as trabalhadoras organizadas venham repetindo isso há anos.
As condições precárias, o estigma e a vulnerabilidade das trabalhadoras sexuais causa as mortes e a marginalização geral que conhecemos e é isso que precisamos combater e não o trabalho sexual em si. Criminalizar o trabalho sexual significa criminalizar o trabalho de uma outra pessoa que não o meu.
Isso não quer dizer abraçar a exploração capitalista, dizer que está tudo bem e fingir que as mulheres não são exploradas, inclusive EM TODAS AS ÁREAS (afinal, as mulheres brancas ganham menos do que os homens brancos, e as mulheres negras menos do que as brancas, e as mulheres trans* e travestis nem no mercado de trabalho se encontram), significa fortalecer a luta feminista e socialista a partir de elementos concretos (dados e pesquisas), respeitando as associações de trabalhadoras sexuais e a auto-organização dessas mulheres.
Vocês conhecem algum desses grupos? São apenas ALGUNS grupos de trabalhadoras sexuais auto-organizadas.
Aprosmig – Associação das Prostitutas de Minas Gerais
Canadian Alliance for Sex Work Law Reform
FIRST: Decriminalize Sex Work Now!
Kenya Sex Workers Alliance (KESWA)
Collectif Droits & Prostitution
Aqui alguns sites e blogues feitos por trabalhadoras sexuais:
The Naked Anthropologist, de Laura Agustín
P.S: Fiz esse texto em solidariedade às minhas colegas trabalhadoras sexuais e porque neste momento em que a Anistia Internacional está sofrendo ataques e boicotes por ter se colocado a favor da descriminalização do trabalho sexual, é muito importante que somemos JUNTO com trabalhadoras sexuais e não com meia dúzia de atrizes hollywoodianas que nunca viram uma trabalhadora sexual na vida.