Combatendo o estigma

Eu escrevi uma carta para você

Por Laura Lee, em The Huffington Post 

Eu decidi escrever uma carta para você. Você pode se reconhecer em algumas das coisas que estou prestes a dizer. Você pode não se reconhecer completamente – em todo caso, obrigada, amigo. Estou enormemente inspirada em Panti Bliss e seu maravilhoso filme “Rainha da Irlanda”, em sua luta pelo casamento igualitário para a comunidade LGBT e quero mostrar meu reconhecimento.

Hoje em dia, se revelar uma trabalhadora sexual é como se revelar um homossexual nos anos 1970, mais notadamente na Irlanda. Eu experiencio de tudo, da inquietação à minha volta até medo, ódio explícito e violência aberta. Putafobia, e o estigma intrínseco, podem matar.

Você decidiu que eu sou a “garota suja”, aquela que deveria ter vergonha. Você me despreza quando não tenho esta vergonha. Você se afasta de mim nas festas, você mantém seu parceiro mais perto, num abraço protetor. Afinal de contas, como uma mulher contaminada, eu devo viver, comer e respirar sexo, ninguém por perto de mim está seguro. Não sou uma parte de sua vida, trabalho silenciosamente, por trás de portas fechadas. Isso é suficiente para você.

Você me diz que eu devo ter sido abusada quando criança. Esta é a única explicação. Você me julga irracional, eu devo ter stress pós-traumático ou simplesmente não me importo comigo mesma. Você me diz que não posso ser mãe, não posso cuidar de mim mesma, muito menos da minha filha.

Você mina minha defesa com piadas sobre meu peso, você comemora quando eu falo uma estatística errada, seja em uma entrevista ou texto escrito. Você diz que eu não me importo com aquelas que sofrem no tráfico, que eu faço o que faço unicamente em benefício próprio, ou pelo mítico lobby dos cafetões. Você nega meu passado, a mulher que está nas ruas e que me pediu para ajudá-la, você tenta me silenciar me chamando de “privilegiada”.

Você me diz que se eu gosto muito do que faço, eu deveria fazê-lo de graça, numa sociedade capitalista onde as mulheres estão sofrendo por conta da austeridade e corte de benefícios. Inferno, você me diz que meu alvo são homens vulneráveis, sem um pensamento para sua capacidade de fazer as próprias escolhas. Você mente, você faz isso todo o tempo. Você diz publicamente que o país está cheio de vítimas de tráfico quando você sabe que isso não é real. Você põe sua grana e carreira acima da minha vida.

Você ignora a violência contra as trabalhadoras sexuais, nas mídias sociais, na imprensa. Você supõe que, por que você não se importa, ninguém mais deve se importar. Você me pergunta com quantos homens eu dormi, quanto ganhei, se eu já tive DSTs e se eu tenho um relacionamento ou estou casada. Você supõe que, por que eu vendo sexo, toda a minha vida está disponível para sua consideração e seu sorriso condescendente. Você expõe trabalhadoras sexuais na mídia e ignora que muitas trabalhadoras sexuais que você expõe preferem atentar contra a própria vida do que ter que encarar suas famílias recentemente informadas.1Em referência às famílias que tomaram conhecimento recentemente de sua condição de trabalhadora sexual, possivelmente através de fotos na mídia.

Você acredita em todas as teorias da conspiração sobre, que eu sou fachada para um consórcio de cafetões ou mesmo um elo com o tráfico internacional. Você se recusa firmemente em reconhecer que eu sou uma trabalhadora sexual independente lutando por direitos laborais e pelo direito de trabalhar em segurança. Eu acredito que isso não venda jornais.

Você concebe estratégias inteiras sobre redução de danos, e ignora completamente as trabalhadoras sexuais, o próprio grupo que se beneficiaria enormemente da descriminalização. Evidências são reservadas a episódios antigos de Rumpole of The Bailey.2Série de TV britânica. Você é o primeiro a bradar pela descriminalização das drogas, e desmarginalização da comunidade LGBT. Você protesta, marcha, você critica a injustiça disso tudo. No entanto, quando se trata de trabalhadoras sexuais, você estranhamente silencia.

Eu não te odeio por não saber o que é melhor. Eu também, cresci na ignorância. Mas você não tem desculpa por se recusar a ouvir, a aprender. Você não tem desculpa por mentir. Você não tem desculpa por nos expor à violência.

Mas você ouvirá nossas vozes, porque elas estão se tornando cada vez mais altas e você não pode sufocar-nos por mais tempo. Não estamos pedindo por sua aprovação, nós encontramos isso dentro de nós mesmas, e de nossa comunidade. Isso não é sobre você. Estamos pedindo pelos mesmos direitos dos quais você desfruta todos os dias. O direito de ter segurança no trabalho, o direito de nos organizarmos e formarmos coletivos. Você os tem garantidos, do mesmo modo que nossas mortes são tomadas como consequência inevitável. Nosso tempo chegou.

Siga Laura Lee no Twitter: www.twitter.com/glasgaelauralee.


ATUALIZAÇÃO:

Laura Lee, ativista pelos direitos das trabalhadores sexuais e uma das lideranças mais destacadas do movimento na Irlanda do Norte, morreu em fevereiro de 2018, em Belfast, aos 39 anos.


NOTAS

1. Em referência às famílias que tomaram conhecimento recentemente de sua condição de trabalhadora sexual, possivelmente através de fotos na mídia.

2. Série de TV britânica.

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