Direitos

Trabalhadoras sexuais lutam para dar um passo à frente na América Latina

Reportagem de Tim Rogers para a Fusion.net. As imagens foram tiradas de lá. Tradução de Henrique Marques Samyn.

LIMA, Peru – A profissão mais antiga do mundo é também a mais vulnerável.

A prostituição tem estado por aí desde que o dinheiro foi inventado, mas os direitos e as garantias das trabalhadoras sexuais não evoluíram muito desde então. Para a maioria das trabalhadoras sexuais da América Latina, a única “proteção trabalhista” real vem numa embalagem de preservativo.

O Uruguai – possivelmente a nação mais progressista da América do Sul – é o único país da região com prostituição legalizada e regulamentada; lá, profissionais do sexo têm acesso à Previdência Social e a benefícios de aposentadoria. No resto da América Latina, a história é diferente. O comércio do sexo ainda ocupa uma estranha área cinzenta entre a legalidade e a ilegalidade – não é exatamente nem uma coisa nem outra, e essa ambiguidade obriga dezenas de milhares de mulheres a cambalear através das sombras da sociedade, onde ficam vulneráveis a todos os tipos de problemas.

“A polícia muitas vezes nos prende sem nenhuma razão, e se não temos dinheiro eles nos mandam fazer sexo com com eles”, diz Veronica Perez, trabalhadora sexual de Santa Cruz, na Bolívia. “As mulheres são frequentemente pegas na rua e levadas para a delegacia, eles tiram suas roupas e seu dinheiro, e então as colocam de volta na rua, de forma aleatória.”

Outras mulheres passam por coisas piores. Na Bolívia, três profissionais do sexo foram mortas desde maio. A violência é mais endêmica nos países do triângulo norte da América Central, flagelado por gangues, onde dezenas de trabalhadoras sexuais foram mortas, desfiguradas ou desapareceram nos últimos anos, geralmente por não pagarem taxas às gangues.

“Nós não podemos nem mesmo falar sobre a extorsão porque, se o fizermos, acabaremos mortas amanhã”, diz a trabalhadora sexual guatemalteca Samantha Carillo.

Carillo diz que as trabalhadoras sexuais que exercem o ofício nos trilhos de trens da Zona 1 da Cidade da Guatemala são obrigadas a pagar de 5 a 6 dólares por dia para as gangues que controlam o território. O preço do descumprimento é a morte – uma punição distribuída a pelo menos sete das colegas de trabalho de Carillo nos últimos anos.

“Toda essa situação se deve ao fato de que o governo não reconhece o nosso trabalho como legítimo, e isso significa que somos forçadas a trabalhar em condições indignas e perigosas, sem acesso à segurança ou à justiça”, disse ela.

Os riscos ocupacionais do trabalho sexual variam de país para país. Em El Salvador e na República Dominicana, as trabalhadoras sexuais temem por suas vidas. Vinte e sete trabalhadoras sexuais salvadorenhas e 14 dominicanas foram mortas ao longo dos últimos três anos, de acordo com a Rede de Trabalhadoras Sexuais da América Latina e do Caribe (RedTraSex).

Na Argentina e no Panamá, os policiais são o problema; profissionais do sexo argentinas dizem que são regularmente sujeitas a extorsões por parte da polícia, enquanto mais de 750 profissionais do sexo de Panama City afirmam que foram arbitrariamente presas pela polícia nos últimos dois anos, embora lá a prostituição não seja ilegal. Enquanto isso, na Colômbia, a ausência da polícia é o problema; 99 por cento dos casos de violência contra trabalhadoras sexuais permanecem não resolvidos por policiais colombianos, de acordo com a rede de profissionais do sexo.

Como um todo, as nações da América do Sul são geralmente mais progressistas e abertas a esforços para reconhecer e regulamentar o comércio do sexo. Ativistas de direitos humanos na Bolívia, na Colômbia, no Paraguai, na Argentina e no Equador têm encontrado abertura para introduzir novos projetos de lei ou formar comissões, a fim de analisar formas de reconhecer e regulamentar o trabalho sexual, de uma forma ou de outra. O Uruguai, por sua vez, procura reformar sua legislação.

Na América Central, porém, a Guatemala é o único país que trabalha em um projeto de lei para regulamentar o comércio do sexo.

“A América Central é uma outra história, e é aí que temos que alocar nossos maiores esforços neste momento”, disse Elena Reynaga, líder da RedTraSex, que representa mais de 30 mil profissionais do sexo em 14 países da América Latina e do Caribe. Ela diz que trabalhadoras sexuais na América Central enfrentam a tripla ameaça de “uma força policial misógina e assassina, uma sociedade que é muito mais conservadora e hipócrita, e as gangues.” E isso torna ainda mais difíceis os esforços para organizar ou exercer pressão por proteções trabalhistas.

As leis não resolverão tudo, diz ela, mas ajudarão a tirar das sombras muitas mulheres trabalhadoras e a traçar uma linha mais nítida entre o trabalho sexual legítimo e tráfico sexual ilegal.

“A lei não vai mudar radicalmente a vida de ninguém, mas será uma ferramenta capaz de nos tirar da clandestinidade e de nos colocar em pé de igualdade com os outros trabalhadores de nossos países”, disse Reynaga à Fusion. “E é um mito que a legalização levará a um aumento no número de profissionais do sexo. É como dizer que, permitindo o casamento gay, todos nos tornaremos gays.”

Para Samantha Carillo, da Guatemala, legislar sobre o trabalho sexual também diz respeito a reconhecer o direito da mulher de escolher, trabalhar e contribuir para a sociedade.

“Eu quero ser livre e eu quero apoiar o crescimento da economia do meu país”, diz Carillo, uma trabalhadora sexual lésbica e militante pelos direitos d*s trabalhador*s sexuais. “Eu sou mãe de quatro filhas, uma das quais tem 19 anos. Ela não é profissional do sexo, mas, se decidisse tornar-se uma, eu ficaria feliz por ela e lutaria ainda mais pelos direitos d*s trabalhador*s sexuais, porque eu desejaria que ela tivesse condições satisfatórias para trabalhar.”