Nova lei aprovada nos EUA afeta liberdade de expressão online e profissionais do sexo
Foram aprovados nos EUA, no dia 22 de Março, o SESTA (Stop Enabling Sex Traffickers Act), em tradução livre para o português “Ato parem de instrumentalizar traficantes sexuais”, e o FOSTA (Fight Online Sex Trafficking Act), em português “Ato de Luta ao Tráfico Sexual Online”, por uma votação de 97 a 2. A lei, já aprovada, ainda não entrou em vigor oficialmente, mas já se veem os impactos disso na web. Isso impactará os trabalhos de profissionais do sexo do mundo inteiro, e este texto foi escrito visando traduzir toda essa confusão e explicar como isso impacta as profissionais brasileiras e o que podemos fazer a respeito.
O projeto tem nomes de nítido apelo popular e foi divulgado como uma forma de coibir o tráfico humano e a exploração sexual na internet (especialmente o projeto FOSTA). Porém, da forma como a lei está escrita, não há distinção alguma entre profissionais do sexo, pessoas falando a respeito de sexualidade, e entre vítimas (ou mesmo agenciadores) de exploração sexual. Todo material que promova ou facilite ‘contato sexual ou fisicamente erótico de qualquer tipo’, com essa nova lei, é agora considerado crime de tráfico sexual. Isso inclui as plataformas on-line utilizadas por profissionais do sexo para divulgarem seus serviços, e também envolve rede sociais como Twitter e Instagram (que são hospedadas nos EUA), que já estão bloqueando contas de profissionais do sexo ou de páginas de anúncios das profissionais.
Mudança na lei
A lei que operava antes dessa era chamada “Section 230 of the Communications Decency Act”, em português, “Sessão 230 do Ato de Decência nas Comunicações” (tradução livre). Essa lei é a lei a qual todos os sites de pornografia, web-modelling (cam-girls / cam-boys / cam-couples), e todo outro site deve responder. Ela regia e às vezes é literalmente citada nas Políticas e Termos de Uso de todos os sites de conteúdo erótico hospedados nos EUA e influencia todos os sites que visam transmitir para o mercado americano, independente de onde estejam hospedados. Como profissionais, sabemos que há algumas leis e normas quanto ao que podemos ou não transmitir. E que nos sites americanos, há uma censura bem maior no que diz respeito às práticas que podem ou não ser transmitidas. Era também essa lei que assegurava que os sites de repasse de conteúdo (como fóruns, mídias sociais, etc) não serem responsabilizados legalmente pelo que seus usuários publicassem nele.
Os apoiadores da nova legislação alegam que a Section 230 “nunca teve como intenção prover proteção legal para websites que ilicitamente promovessem ou facilitassem a prostituição” (tradução livre). Mesmo constando nas leis todos os tipos de materiais que poderiam ou não poderiam ser veiculados. Com a nova lei, agora, qualquer coisa que promova “contato sexual ou fisicamente erótico de qualquer tipo”, nos EUA, é tornado crime, passível de até 10 anos de prisão.
Em termos brasileiros, é como se o MissClass, o VivaLocal, o GPGuia, e qualquer site ou fórum sobre acompanhantes, que é uma parte essencial na estratégia de trabalho de milhares de profissionais, fosse, do dia pra noite, tornado ilegal e punível com reclusão de até 10 anos. Isso deixaria muitas profissionais sem opção de trabalho e teríamos que encontrar outras formas de trabalhar, e possivelmente iríamos trabalhar nas ruas, em casas de prostituição ou teríamos que encontrar formas não-digitais de divulgação.
E foi isso que aconteceu nos EUA. Sites de anúncios têm sido fechados com uma nota sobre a lei, como o NightShift, o Craig’s List (a versão americana próxima a algo como o nosso ‘vivalocal’). Porém com um agravante: ao contrário do Brasil, a prostituição em si é crime em muitos estados dos EUA. Portanto, o agenciamento, a violência policial e outras situações ainda mais drásticas são esperadas para nossas colegas americanas.
Além disso, isso é uma questão de segurança das profissionais: havia fóruns para compartilhar perfis e contatos de clientes problemáticos: violentos, caloteiros ou que “forçavam a barra” nos limites das profissionais. Um estudo de 2017 constatou que após o compartilhamento dessas informações no Craig’s List o índice de homicídios no meio caiu em surpreendentes 17%. Portanto, a alegação de que essa lei visa a segurança e o bem-estar das mulheres não é compatível com a realidade. E obviamente, essas legislações tendem a recair de maneira ainda mais pesada sobre os grupos mais vulneráveis entre nós: imigrantes, transexuais, e outras pessoas em situações socialmente delicadas. Missy Mariposa, uma das integrantes vinculadas à Red Umbrella (a primeira organização internacional de suporte e apoio entre as profissionais do sexo), alegou que:
“Se profissionais do sexo perderem suas ferramentas de segurança, duas coisas acontecerão: número um, os predadores sairão para caçar. Número dois: a prostituição será empurrada de volta a ruelas escuras e bares de hotéis, sem poder checar on-line sua clientela. Isso vai criar muito mais vítimas do que ajudar.” (Missy Mariposa)
Sobre as vítimas de tráfico sexual e a (in)eficácia das leis
Organizações de defesa e amparo a vítimas de tráfico humano alegam que a lei não presta o apoio básico necessário que as vítimas realmente precisam. Elizabeth Nolan Brown, afirma que
“Muitos grupos de sobreviventes à exploração sexual verbalizaram sua oposição à FOSTA, alegando que ela falha em tratar as vítimas com que elas realmente precisam (como auxílio a moradia e trabalho) e que tornará mais difícil salvar vítimas futuras. Além disso, até mesmo aquelas que são vítimas da exploração sexual se beneficiam de coisas como procurar listas de clientes violentos online e não terem que estar nas ruas.” (tradução livre)
As redes de sobreviventes de tráfico sexual ou tráfico humano já estão usando as hashtags (que também têm aparecido bem pouco nos resultados de busca), #survivorsagainstsesta (sobreviventes contra o SESTA).
Se a lei não cumpre aquilo que se prestou a fazer, a que cumpre então?
Consequências já efetivas e esperadas da nova legislação
Com a nova lei, todas as formas de trabalho sexual independente vinculados legalmente aos Estados Unidos estão sendo restringidas. Atualmente, para trabalhar como cam-girl em sites americanos as modelos já ganham apenas 30% do que os clientes pagam. Os outros 70% são distribuídos entre o site que fornece a plataforma e parceiros de divulgação. Desses 30% ainda há uma parcela bem grande (o número exato depende da forma de negociação) que vai para os studios onde a maioria das modelos trabalha.
A ideia de uma pessoa comum, com uma câmera comum num computador comum, se exibindo para fazer uma grana extra (como se divulga no Brasil e se divulgou no início das plataformas estrangeiras, cerca de 15 anos atrás), está totalmente extinta nos EUA desde 2018. Studios de primeiríssima qualidade, tecnologia 4K em breve chegando nas transmissões ao vivo, vendas de vídeos em 3D, maquiadores profissionais disponíveis, em casas de 6 a 8 quartos luxuosos que servem de cenário, transmissões ao vivo cada vez mais velozes, e sites que promovem e fomentam a competitividade crescente entre as modelos e entre studios – essa sim é a realidade atual do mercado americano.
Competir de maneira amadora com esses studios nos grandes sites do mercado pode significar jornadas exaustivas de trabalho em casa. Definitivamente não são as melhores condições de trabalho. Mas ainda são melhores do que o risco de trabalhar nas ruas à noite, especialmente com a prostituição criminalizada nos EUA.
Mas, até mesmo antes dessa lei, as cam-girls, em solo americano ou internacional, têm descoberto formas alternativas de manter os shows acontecendo, e fazer isso de forma lucrativa e prática para si mesmas e para clientes. Estou falando do mercado de shows independentes online. Apenas a modelo, o cliente, e uma ligação de Skype ou HangOut.
Os sites atuam como protetores da identidade e anonimato de cliente e modelo, garantia de maioridade de ambos, e para intermediar os pagamentos, a uma comissão considerada suave para o mercado: de 14% a 25% apenas. As modelos têm mais liberdade para operarem seus shows (ainda que sujeitas às mesmas leis e termos de uso, pois eles derivam da legislação americana), mantêm contato com seus clientes via Skype, mail-list e etc. Isso é especialmente desejável no meio fetichista e BDSM, ou com as profissionais que trabalham como Girlfriend Experience (“experiência namoradinha”).
Ambas, formas de ter um pouco mais de estabilidade financeira, agregar mais valor aos shows e construir seu branding. No bom português, maneiras mais fáceis de “fazer um nome” e “ter seu diferencial”, criando uma relação mais duradoura com seus clientes. E, em todo esse contexto, criar um ambiente de trabalho saudável, controlável e lucrativo. Porém, a nova lei americana pode influenciar a maneira como Skype e Google atuam na permissividade aos shows e à hospedagem de materiais como vídeos e fotos salvos em OneDrive ou Google Drive.
Como diria Kate D’Adamo, uma advogada defensora dos direitos das profissionais do sexo,
“As pessoas, do dia pra noite, têm tido que se perguntar ‘hospedar essa informação me coloca em perigo?’ e não podem realmente dizer que não. Eu hospedo essa informação? Eu facilito o compartilhamento dessa informação? Quando me comunico com minhas colegas dizendo que sou uma profissional do sexo se torna uma experiência potencialmente criminosa, como eu permaneço segura, quando tudo que eu sei sobre redução de riscos depende de mim e de minhas colegas?” (tradução livre)
A aprovação das leis também foi feita de forma diferente desta vez, muito mais rápida do que o usual. Lola, uma organizadora da comunidade “Surviving Against SESTA” (Sobrevivendo contra o SESTA) disse que “nós vínhamos chamando atenção para isso há tempos, mas desta vez tudo aconteceu mais rápido do que esperávamos” (tradução livre).
Com a legislação SESTA foi possível reunir mais de 57 notas de repúdio de diferentes organizações, tanto de profissionais do sexo quanto de organizações de assistência a vítimas de tráfico humano e exploração sexual. Porém, com a FOSTA, que foca especificamente em “trafico sexual on-line”, tudo aconteceu muito mais rápido, e em 72 horas a lei já estava proposta, debatida, aprovada, e já havia blogs e sites do ativismo americano divulgando como as profissionais deveriam proceder.
Raphael, que foi um dos organizadores da Bay Area Sex Workers Meet-Up (Encontro de profissionais do sexo da Baía de São Francisco), afirma que
“Desde que eu tenho praticado trabalho sexual, toda lei que usa a palavra ‘tráfico’, especificamente, sempre passa, não importa realmente o que a lei é. Então sim, nós sabíamos que iria passar.” (tradução livre)
Como isso deve afetar o mercado brasileiro
É sabido, e esperado, que o Skype, assim como outras contas, como o Gmail, vão censurar perfis ou contas que façam menções ou sugiram prostituição, pornografia ou trabalhos com BDSM. O mesmo deve acontecer com o Twitter, onde muitas de nós anunciamos nossos serviços de maneira gratuita. O Instagram já mudou suas políticas e não está mais oferecendo resultados de busca para hashtags sobre profissionais do sexo.
Além disso, os sites nacionais que visem atender aos mercados internacionais (como é a maioria) devem, no médio prazo, se tornar cada vez mais pesados no que diz respeito à punição ao ato de trocar contatos pessoais durante os shows privados. Rendas extras em dólar, para nós, agora apenas através de sites gringos (portanto com comissão menor e mais horas online), e teremos que encontrar outras plataformas para nossos shows independentes que não sejam Skype ou HangOuts.
É possível que o Whatsapp passe a ter uma importância maior para nosso trabalho (o que pode ser bastante incômodo, nós bem sabemos). Formas de pagamento como IndieBill, e outros aplicativos devem continuar, mas com uma fiscalização cada vez maior sobre nós e nosso trabalho. Plataformas como o Jumpin.chat, Appear.In e outros sites de videoconferência através do navegador também podem se tornar uma possibilidade. Mas nossa divulgação enquanto profissionais, através de sites hospedados nos EUA ou que visem atender ao público dos EUA, será varrida da internet a partir do momento em que a lei entrar em vigor.
É possível que essa onda conservadora também chegue ao Brasil, e essas leis recentes nos EUA, acabem influenciando as políticas brasileiras no que toca ao trabalho sexual, ou, mais especificamente, à independência no trabalho sexual. O modelo sueco tem sido problemático para as profissionais do sexo onde tem sido implementado, desde 1999 (e há cerca de um ano na França), e certamente você encontrará outros posts explicando a respeito deles aqui no Mundo Invisível. Com épocas de eleições chegando e instabilidade política no ar, não se sabe exatamente como isso pode afetar a legislação sobre nosso trabalho no Brasil no médio e longo prazo, porém sabe-se que há um terreno fértil para que também sejamos prejudicadas como nossas colegas de outras partes do mundo.
Aspectos técnicos para profissionais do sexo: como proceder perante a nova lei
Nossas colegas americanas, que já estavam melhor inteiradas e preparadas para esse cenário, já divulgaram algumas das práticas que teremos que adotar.
O site Tits and Sass explica como podemos nos “autocensurar” nas mídias sociais, mas está em inglês. No google tradutor deve funcionar.
Mas, basicamente, a instrução é para que procuremos em nossos perfis do Twitter e outras redes sociais tweets com hashtags ou textos sobre trabalho sexual. Compartilhamento de tweets com esse conteúdo também. Não se sabe se eles procurarão por hashtags em português, mas é provável que sim. Se a sua conta é exclusivamente enquanto acompanhante, eu pessoalmente indicaria que você tivesse outra plataforma para ter contato com seus clientes. Você pode utilizar listas de e-mail, listas de whatsapp, ou montar um blog em alguma plataforma que não seja hospedada nos EUA. Se você ainda não tem um site/blog próprio e esteve cogitando essa possibilidade, este pode ser o momento.
Para as cam-girls brasileiras independentes: o ideal aqui é criar uma conta no IndieBill, ou no E-Payments (empresa britânica), que são plataformas de transações internacionais perfeitamente legalizadas onde você pode vender seu conteúdo. Qualquer material que sugira prostituição é proibido no site e sua conta pode ser deletada, e você perder seu dinheiro. Para o mercado nacional, uma boa opção é o PagSeguro, em que os Termos de Uso, ao menos por hora, não nos excluem.
Porém, a forma em que encontraremos clientes está bem prejudicada já que não podemos mais nos divulgar em mídias sociais, e não está claro como será a nova política do Skype. Havia alguns diretórios de cam-girls independentes online que são brasileiros (não consegui encontrar os links), e cobram um valor bem baixo para divulgação, mas não intermedeiam o pagamento. Para o show em si, vc pode utilizar a videoconferência do whatsapp ou telegram, ou então o jumpin.chat. Se você tem ideias de soluções melhores por favor comente este texto ou entre em contato com a gente para que possamos divulgar essa informação.
Há também uma nova plataforma, a Switter.at , que é sex-worker-friendly, criada por uma profissional do sexo, e que está hospedada atualmente na Austrália. Funciona como um “Twitter à prova de SESTA / FOSTA” e tem ferramentas muito interessantes, como habilitar o perfil para que apenas seguidores “aprovados” vejam o feed, assim como tolerância à nudez e a outros conteúdos análogos a nosso trabalho. Ainda é incerto o quanto ter uma conta no Switter é legalmente menos arriscado do que no Twitter, mas ainda assim é uma plataforma que, ela mesma, não banirá usuários por conta de sua profissão. Mais sobre o Switter no site YNOT Cam.
Para a hospedagem de sites, está começando agora a Red Umbrella Hosting, que foi criada por membros da rede internacional Red Umbrella e aceita formas de pagamento alternativas e já conhecidas e utilizadas por nós. A hospedagem está na Islândia e portanto, não fere a leis americanas.
Como essa lei afeta a liberdade de expressão
Da forma como a lei está escrita, até mesmo fóruns como o FetLife, focados em compartilhamento de informações e saberes sobre BDSM e Fetiches (a maioria de forma não profissional), podem ser fechados. E qualquer fórum que fale sobre sexualidade e esteja hospedado nos EUA pode cair.
O mais sério é que essa lei tem sido observada pelo mundo todo, e pode vir a ser utilizada como modelo para outros países na censura de conteúdos sensíveis – vinculados ou não a sexo e trabalho sexual.
“Hashtags para #femdom (dominação feminina) #femdomdriday não mais aparecem no Instagram mas sem problemas com as tags de dominação masculina.
Conte-me de novo como isso é sobre manter pessoas ruins fora da internet e não sobre oprimir mulheres…” Justine Cross (tradução livre).
A colocação de Justine vai direto ao ponto: com a lei escrita da forma que está escrita, ela pode ser aplicada como uma forma de censura sobre qualquer forma de conteúdo que tenha a ver com a sexualidade. Olhem esse trecho, traduzido do site The Daily Beast:
“Uma usuária do Google Driver, que pediu para se manter anônima, disse ao Daily Beast que, enquanto ela estava ouvindo de outras profissionais do sexo sobre problemas com seus arquivos, ela sabia que não estava hospedando nada de pornográfico em seu drive. ‘Eu acho a facilitar um grupo de profissionais do sexo com outra terapeuta de saúde mental, e nós estávamos hospedando um treinamento comunitário. Ela me mandou slides para olhar e reorganizar a parte legal. Na semana seguinte, meus slides sobre advocacia comunitária para profissionais do sexo foram deletadas do meu drive. Minha parceira, que trabalha com uma lista de segurança (lista de clientes problemáticos para profissionais do sexo), teve um dos arquivos que ela estava compartilhando com outra profissional do sexo desaparecido de ambos os drives (…) Nenhum desses arquivos viola as regras de uso do Google. Eu não recebi nenhuma explicação do porquê eles foram removidos, eles simplesmente sumiram do meu drive subitamente, e a pessoa que enviou não podia mais acessá-lo’.”
Raphael afirma que enquanto profissionais, organizadores e advogados falam a respeito disso na internet, eles mesmos correm o risco de serem um alvo da lei:
“Isso poderia potencialmente afetar qualquer mídia social, como Twitter decidir fechar contas de profissionais do sexo mesmo que elas não sejam exatamente anúncios. Então, é como nos apagar de todo discurso público.” (tradução livre)
Aqui no Brasil, algumas putativistas já tiveram suas contas de Twitter deletadas, mesmo não tendo violado os termos de nudez do Twitter. Foi o caso de Monique Prada, por exemplo. E outras contas correm o risco de fechar também.
Apagar todo um setor social do discurso público, mesmo que apenas pela internet, é censura. É um processo de silenciamento político de um setor que têm “incomodado” a sociedade por defender seus direitos. E há um recorte de gênero nesse silenciamento, pois somos um grupo composto majoritariamente de mulheres, muitas de nós negras, muitas de nós trans. Muitas de nós em situação de vulnerabilidade social e econômica.
Querem nos “salvar”, contanto que caladas, invisíveis e escondidas. Nós, profissionais, sabemos disso, e estamos vendo essa censura crescer. Se nós formos silenciadas, há preceito legal para que outros também sejam.
O modelo SESTA/FOSTA está sendo assistido de perto pelo mundo todo e pode ser tomado como parâmetro para outros países na censura online e isso inclui o Brasil. É por isso que precisamos nos organizar estabelecer nossas redes de apoio desde já, pois se nos próximos anos as coisas seguirem essa tendência, em breve poderemos ter dificuldade até mesmo de usar a internet para falar sobre nosso trabalho. Com o atual cenário há terreno fértil para que mudanças nas leis que afetam nosso trabalho e também a liberdade de expressão sejam afetadas. Atacar o trabalho sexual independente é uma forma indireta de atacar a liberdade sexual e econômica das mulheres. E abre preceito para que outras liberdades também sejam tiradas. Se a sociedade não liga para nossos direitos, que mostremos a eles que isso também fere aos direitos deles.
Se acontece com as profissionais do sexo e suas redes de apoio, no futuro essa censura também pode acontecer com outras áreas da sociedade. E em cenários políticos de avanço do conservadorismo, essa não é só uma possibilidade, mas uma tendência histórica.
E você? Está conosco ou vai esperar acontecer com você e com seu grupo social para começar a fazer alguma coisa?
O que podemos fazer a respeito?
Primeiramente, compartilhe essas informações tão sérias. Essa lei aprovada nos EUA não diz respeito às profissionais do sexo de lá, ou apenas a nosso mercado. Mas diz respeito à forma como a censura tem se infiltrado legalmente entre nós, incluindo na internet. Também diz respeito ao conservadorismo que estamos vivendo no momento.
É preciso reforçar cada vez mais a diferença entre trabalho sexual e exploração sexual. Se alguém é forçado a trabalhar em condições análogas ao trabalho escravo sendo imigrante ilegal em uma confecção ou em um canavial, ninguém chama essas pessoas de “tecelãs” ou “agricultoras”, mas sim de vítimas de trabalho escravo. Mas com o trabalho sexual, por conta do moralismo e pudor em nossa cultura, parece que essa distinção não é tão clara – mas é necessário que seja. Se as leis mencionadas tivessem feito essa mera distinção, tudo isso não teria tomado essas proporções.
Crie sua conta no Switter.at, siga suas profissionais favoritas e compartilhe seu link no Twitter, antes que percamos contato com a queda dos perfis.
É momento de trabalhadoras sexuais e apoiadores nos unirmos, de ter clareza de quem está do nosso lado nessa luta e que possamos começar a dialogar entre nós sobre nosso trabalho e entender de quais formas podemos nos unir e nos organizar coletivamente. Isso pode realmente amortecer qualquer impacto desse território hostil em que sobrevivemos.
Haverá uma Marcha Mundial das Vadias no dia 2 de Junho, dia internacional das prostitutas, pedindo a defesa dos nossos direitos e liberdade de expressão, fazendo referência direta aos impactos das leis SESTA / FOSTA. É possível que nossa rede também se mobilize aqui no Brasil com essa pauta. Informe-se, compareça e apoie essas iniciativas.
Você não precisa ser uma profissional do sexo para apoiar nossos direitos.
Fontes e Links úteis:
STOP SESTA & FOSTA – atualização: informações mais recentes nesta página da Electronic Frontier Foundation (EFF).
Switter.at – Sex-work Friendly Social Media.
The Daily Beast: Sex Workers Fear for Their Future: How SESTA Is Putting Many Prostitutes in Peril.
The Guardian: Sexual freedom is at risk from these damning new bills passed by Congress.
Valkiria Carvalho é profissional do sexo, tanto virtualmente quanto presencialmente, putafeminista, web designer, e nova colaboradora do Mundo Invisível.