Legislação

Irlanda do Norte: Nova lei que criminaliza a compra de sexo é paternalista e problemática

Desligando as luzes vermelhas na Irlanda do Norte

Artigo de Fionola Meredith para o Irish Times

Stormont, a sede do Legislativo da Irlanda do Norte, pode estar desabando em torno de seus ouvidos – quebrados, rancorosos e disfuncionais -, mas se há uma coisa sobre a qual os divididos políticos da Irlanda do Norte podem estar sempre certos em concordar, é a regulamentação e o controle dos corpos das mulheres. Tudo para o bem delas, é claro.

É por isso que a Assembleia da Irlanda do Norte votou, por ampla maioria, em favor da proibição da compra de sexo. A nova legislação – parte da Lei de Exploração e Tráfico Humano, de lorde Morrow, do partido DUP, e inspirada no chamado modelo nórdico – pretende “ter como alvos aqueles homens que compram serviços sexuais e apoiar aquelas que estão presas na prostituição a saírem dela”.

Mas os partidos Sinn Féin e DUP não são os únicos grupos ideologicamente opostos a encontrarem um propósito comum nessa missão de resgate forçado para as mulheres “caídas”. CARE, a organização conservadora cristã que faz campanhas contra o aborto, e a Women’s Aid, que ajuda vítimas de violência doméstica, também estão unidas em seu apoio entusiástico a ela, encorajadas pela convicção absolutista de que todo sexo comercial é uma forma de violência contra a mulher.

Essa promiscuidade curiosa, ao lado de uma abordagem negligente e altamente seletiva para a coleta de evidências e a análise factual, são as marcas do movimento abolicionista moderno. Isso não surpreende: quando feministas radicais e fundamentalistas religiosos unem suas forças, os fatos tendem a ser jogados pela janela, frequentemente com consequências perigosas para aquelas que eles pretendem “salvar”. As próprias trabalhadoras sexuais – para cujo benefício leis como essas supostamente estão sendo adotadas – são, ironicamente, as últimas pessoas que os abolicionistas querem ouvir.

Trabalhadoras sexuais pesquisadas

Se eles tivessem ouvido acompanhantes na ativa, teriam ouvido a verdade: que a criminalização de clientes não protege as trabalhadoras sexuais, mas as coloca em perigo. Pesquisa independente feita pelo Departamento de Justiça da Irlanda do Norte mostrou que nenhuma trabalhadora sexual baseada localmente apoia a criminalização da compra de sexo, com 61% delas dizendo acreditar que isso as deixaria menos seguras e 85% dizendo que isso não reduziria o tráfico de pessoas para sexo.

Mesmo as trabalhadoras sexuais mais vulneráveis – aquelas que foram estupradas, espancadas e exploradas por cafetões – se opõem a mais criminalização. A Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres se opõe vigorosamente a penas criminais contra clientes, declarando que elas “não só ameaçam a eficácia de esforços antitráfico, elas frequentemente colocam trabalhadoras sexuais em risco maior de violência e exploração”.

A votação em Stormont já deu novo ímpeto a iniciativas semelhantes em Westminster (sede do Parlamento do Reino Unido) e à campanha Desligue a Luz Vermelha (Turn Off the Red Light): durante o debate na Assembleia, Caitríona Ruane, do Sinn Féin, disse esperar que legislação semelhante fosse publicada na República da Irlanda antes do Natal.

A linguagem da exploração

Turn Off The Red Light é um espelho da da clique abolicionista de lorde Morrow, até mesmo na mistura incomum de ideólogos que lidera a campanha – com ordens religiosas assumindo o papel desempenhado por grupos protestantes linha-dura no Norte – e o controle de opiniões políticas quase hegemônico que eles excercem. A linguagem de exploração e tráfico, a insistência paternalista de definir todas as trabalhadoras sexuais como vítimas de violência, independentemente de como elas definem a si mesmas, é idêntica.

Tem havido surpreendentemente pouca ênfase em como a lei aprovada seria posta em prática. O Serviço de Polícia da Irlanda do Norte já deixou claro há muito tempo que, com recursos severamente limitados, ele não terá condições de impor sua aplicação. Fontes da Garda admitem que o mesmo é verdade na República da Irlanda: essa lei seria inaplicável.

De fato, mesmo depois da votação em Stormont, parecia haver muita ignorância sobre os meios pelos quais a polícia poderia perseguir os violadores. Alban Maginess, advogado e membro do Comitê de Justiça pelo SDLP (Partido Social Democrático e Trabalhista), disse que os clientes seriam identificados por seus cartões de crédito ou por evidências obtidas por vigilância. Mesmo uma olhada rápida na questão mostra que trabalhadoras sexuais e seus clientes não usam cartões de crédito e que a estrutura legal do Reino Unido não permite o uso do tipo de evidência que a Suécia usa para perseguir os clientes.

Mas na verdade, aplicar a lei nunca foi a intenção. Nem a punição de clientes, nem a proteção das trabalhadoras sexuais nunca foram a preocupação real das campanhas abolicionistas. Em vez disso, elas buscam a satisfação da vitória simbólica: a capacidade de declarar nossas praias fechadas à prostituição, exatamente da mesma maneira que os ativistas antiaborto gostam de proclamar que a Irlanda é livre de abortos. É um mito de pureza moral que faz as feministas e os fundamentalistas incharem o peito de orgulho, enquanto tapam seus ouvidos para os fatos dolorosos, inconvenientes, e as vozes daquelas que eles dizem que querem proteger.