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Celebrando o 2 de junho – Festival Prazeres

Esse texto é permeado pela mistura de uma linguagem sem pudores com uma linguagem que exalta amor e afeto! É intencional!

Como já registrado por aqui no Mundo invisível.org, em 2 de Junho de 1975 cerca de cem trabalhadoras sexuais ocuparam a igreja de St. Nizier, em Lyon, na França, protestando contra a violência policial e reivindicando condições dignas de trabalho. A ocupação durou 10 dias e contou com a solidariedade e a adesão da população local, chamando a atenção da imprensa francesa. Dia internacional das prostitutas, Puta Day ou Puta Dei: assim o dia 2 de junho vem sendo chamado no Brasil. Trata-se de um marco na luta por direitos das trabalhadoras sexuais em todo o mundo.

Nesse ano de 2023 foram realizadas atividades presenciais em todo o país. Em Recife-PE, o palco do evento foi um local emblemático – o Pátio de São Pedro, no coração do centro histórico da cidade, que abriga uma igreja de mesmo nome. Fora dos registros oficiais, conta-se que ali, bem em frente à igreja, funcionaram cabarés, bordeis, casas de mulheres – podemos nomear esses lugares de prazeres e delícias de várias maneiras. Isso é muito significativo quando olhamos para a história da prostituição, uma vez que em diversos momentos a igreja católica manifestou e segue manifestando sua postura ambígua frente ao trabalho sexual, ora o condenando, ora o tolerando.

Equipe do Festival Prazeres, ativistas e aliades

A Associação Pernambucana de Profissionais do Sexo (APPS), coordenada por Vânia Rezende, promoveu uma feira de saúde e beleza. Houve oferta de serviços, como emissão de RG, registro de nascimento, casamento e óbito; distribuição de preservativos e gel lubrificante; orientações sobre tuberculose; oferta de Profilaxia Pré Exposição (PreP); orientação jurídica e de assistência social; atualização de cartão de vacinas; além da divulgação da Plataforma de Denúncias contra Crimes de LGBTFOBIA do Recife.

No encerramento das atividades, aconteceu o Festival Prazeres, produzido e coordenado por Hanna Godoy e Nenna Carvalho. O momento contou com presenças de muitas das principais lideranças do movimento social de trabalhadoras sexuais do país. Sim! Falamos aqui de um legítimo movimento social. E o que nos autoriza a fazer essa afirmação é a teoria dos movimentos sociais do sociólogo francês Alain Tourraine, falecido recentemente. É importante ressaltar que as prostitutas brasileiras estão na luta organizada há mais de 30 anos.

Além das lideranças, fomos brindadas com presenças de putativistas, que têm produzido putaconteúdos para deleite, informação e formação dos seguidores. Estavam lá, além de Vânia (APPS), a “Putriarca” Lourdes Barreto (GEMPAC), Nanci Feijó (APPS), Indianare Siqueira (Casa Nem), Lua Mayara (Filhas da Luta), Frida Carla (“A advogada mais ousada do país”), Naara Maritza (Coletivo Puta da Vida), entre outras.

Da perspectiva do ativismo, o encontro foi um brinde à vida, ao amor e ao prazer, além de uma putacelebração. Putacelebração, posto que estavam ali reunidas algumas das “que vieram antes, abrindo as portas” e algumas das que inspiradas por essas primeiras, seguem construindo e fortalecendo a luta por direitos.

Nessa putacelebração desfrutamos da belíssima presença da mestra de cerimônias Gehuza; da intervenção poético-erótica do “Chá de buceta”, performada por AnaRosa e Meujaela Gonzaga; da presença e atuação artística da atriz Brenda Lígia; da leitura dos belos poemas de Vânia Rezende pelas companheiras de luta. Muitas pessoas aliadas, entre políticos, apoiadoras, acadêmicas, amigos e familiares, também marcaram presença.

Naara Maritza denunciou publicamente a hipocrisia de uma sociedade que insiste em nos silenciar, poemizou e nos encantou com suas palavras e com a exposição política de sua bunda liberta (e que bela!), reivindicando o prazer como um direito e o corpo como instrumento de luta por dignidade e respeito. Chamou a atenção das pessoas que se aliam, reforçando que o protagonismo da luta sempre foi e sempre será das trabalhadoras sexuais.

Lourdes Barreto foi anunciada como uma mulher que construiu sua família por meio do trabalho sexual. Sua neta, Júlia, bradou: “E com muito orgulho!”. Lourdes se emocionou e nos emocionou com seu discurso, lembrando os primórdios do movimento, saudando a memória de Gabriela Leite, exaltando a luta que se renova por meio das novas lideranças que vêm surgindo e agradecendo as alianças com a sociedade e a academia.

O corpo-político da pute transvestigênere Indianare hipnotizou a todas nós, tamanha beleza, potência e força. As palavras saíam de sua boca como fogo e aqueciam nossos corações.

Frida Carla, “a advogada mais transgressora do Brasil”, partilhou sobre sua trajetória laboral dupla – de advogada e acompanhante, além de nos contar um pouco sobre o seu despertar para o ativismo.

Estávamos ali para falar e deleitar do prazer. Mas ouso dizer que naquele dia o amor também se fazia presente. Seja mobilizado pela necessidade, como me disse Frida Carla, seja mobilizado pelo descontentamento com um mundo que, parafraseando Monique Prada, alimenta as putas mas não as quer sentadas à mesa. Ouso dizer que o amor está sempre presente nesses espaços em que nos reunimos, porque sem amor não é possível pensar caminhos por meio dos quais desejamos e podemos construir mundos melhores para todas, todes e todos.

Bandeira no evento da  Associação Pernambucana de Profissionais do Sexo.
Lourdes Barreto
Indianare Siqueira

Pátio São Pedro – Recife
Lua May
Naara Maritza
Frida Carla
Natania Lopes
Bandeira do Coletivo Puta da Vida
Bandeira do Coletivo Puta da Vida