Um brinde para Nenê Romano
Um brinde a Nenê Romano – nossa primeira manifestação de rua!
Hoje lembramos 90 anos do assassinato de Nenê Romano, uma prostituta, morta a tiros pelo advogado e poeta Moacyr de Toledo Piza dentro de um táxi na esquina da av. Angélica com a rua Sergipe. Ele se matou em seguida.
Nenê nasceu em 1897 em Turim, na Itália, e migrou com a família para o Brasil dois anos depois. Seu nome era Romilda Machiaverni. Viveu a primeira parte da vida no Brás, onde trabalhou como costureira. Mais tarde, trabalhou como camareira de hotel no centro de São Paulo e acabou optando por tornar-se trabalhadora do sexo.
Consta que entre seus amantes estava Washington Luís, então presidente (governador) do estado de São Paulo. E havia outros poderosos no pedaço, e seu encontro com eles tornaria Nenê famosa.
Um dia, em plena av. Paulista, o marido de Maria Eugênia, uma das filhas de dona Íria Junqueira, dona da Fazenda Pau Alto (na região de Cravinhos/Ribeirão Preto), foi visto beijando a mão de Nenê.
A matriarca da família Junqueira já era conhecida por ser vingativa: ela teria sido a mandante do famoso Crime de Cravinhos, ao mandar seus jagunços matarem um francês que era ex-marido de uma de suas filhas (o crime virou tema de filme, lançado nos cinemas paulistas em 1919).
Contra Nenê Romano, a puta que ousou se meter com os ricos, dona Íria enviou dois capangas. Eles tocaiaram a moça no centro de São Paulo e marcaram seu rosto com uma navalha, mas ela sobreviveu e contratou um advogado famoso, Moacyr de Toledo Piza, para representá-la numa ação indenizatória contra os Junqueira.
O processo não deu em nada, mas Nenê e Moacyr se tornaram amantes. Só que Moacyr, o advogado quatrocentão, conhecido também como um dos poetas tradicionalistas que reagiram contra a Semana de Arte Moderna de 1922, se achava dono de Nenê.
No livro de poemas “Roupa Suja”, Toledo Piza publicou em julho de 1923 o seguinte poema:
Que hediondo crime, que mortal pecado
Cometi, que me tens por inimigo?
Por que o bem de olvidá-la não consigo?
Eu que do seu amor ando olvidado
Por quê? Bem sinto: é que nos céus, sereno
Só podes compreender o amor divino,
Nunca, nunca provaste o amor terreno
O amor de uma mulher que é o meu Destino
E cuja boca é a taça de veneno
Que faz de um homem justo – um assassino!
Então, nas palavras do nobre advogado, a culpa por ele se tornar um assassino era da própria Nenê!
Ora, é a mesma desculpa esfarrapada oferecida por qualquer estuprador. Mais um crime cometido por um homem que se julgava dono de uma mulher, por um homem para quem uma prostituta é um objeto sempre disponível, a ser destruído quando já não atende às suas fantasias.
A história de Nenê é contada em vários lugares, notavelmente em História da Prostituição em São Paulo, de Guido Fonseca, e em Os Prazeres da Noite – Prostituição e Códigos da Sexualidade Feminina em São Paulo (1890-1930), de Margareth Rago. E o assassinato foi tema de um filme, Desatino, de 2008, dirigido por Dimas de Oliveira Júnior. Boris Fausto tem um belo artigo sobre Nenê, “Uma Paixão de Outrora”, na edição de julho de 2012 da revista Piauí.
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Mundo Invisível foi criado para defender as trabalhadoras sexuais contra a violência, o preconceito e o estigma. Achamos que o caso de Nenê seria um bom tema para nossa primeira manifestação pública.
Como Nenê, muitas prostitutas e travestis são vítimas de violência todos os dias.
Para você, fica um desafio: pesquise, encontre e adote um caso. Envie os dados para nós e vamos organizar outras pequenas manifestações como a de hoje, nos locais onde os crimes foram cometidos.