O estigma e seu papel social
Por Aline Lopez
O sexo sempre foi um tabu para mulheres e então alcançamos uma falsa liberdade sexual baseada em seguir uma ideia muito bem comprada pela sociedade misógina: a de que precisamos fazer tudo no sexo para nos provar livres.
É necessário para a manutenção do patriarcado que a prostituição seja sempre vista como a pior ocupação para uma mulher. Se fosse diferente cada vez mais mulheres estariam do lado de cá, negando aos homens algo que eles sempre exigiram de graça, com sorriso no rosto, casa limpa e comida pronta. Isso quando não tomam de nós à força.
Já notaram como isso é bom para os homens? Não precisam mais se preocupar em aparecer no dia seguinte porque conseguiram mulheres que simplesmente não ligam. Enquanto isso eles mantêm tudo em ordem para que haja a diferença no degrau das moças comuns e no das putas, garantindo o direito de ter o sexo casual que desejam sem que tenham que pagar por ele.
“Pode ser livre e dar pra mim, mas se pisar fora da linha espalho pra geral que é puta.”
Por mais empoderada que uma mulher seja, esse medo sempre vai rondar sua vida e até mesmo nós, que trabalhamos com sexo, muitas vezes nos deixamos dominar por esse medo: o de sermos apontadas nas ruas e calçadas como putas. Motivo de muitas não darem as caras ou simplesmente aceitarem o status da puta imaginada que faz algo que odeia e que deseja sair, mesmo quando consideram esse trabalho a opção mais viável para sua sobrevivência.
Como disse Dolores Juliano, é necessário que haja sempre uma “opção pior” do que a socialmente designada à mulher, que é o cuidado da casa e da família. É engraçado como, sem que a gente se dê conta, acaba alimentando esse sistema: nutrimos o estigma em pequenos passos que hoje me parece eterno como um ciclo bem reproduzido. O feminismo luta contra a violência de gênero, mas nunca vi discussões sobre esse viés.
A verdade é que grande parte da violência contra a mulher tem como base isso: a pior coisa que uma mulher pode ser/fazer. A rédea perfeita e talvez a mais bem elaborada para manter as mulheres em seus lugares e os homens no topo. Demonizar a prostituição e calar prostitutas tem sido a arma mais bem usada, assim não se torna necessário que se pense a fundo em questões mais humanas no que nos diz respeito, não de forma clara ou fugindo da superficialidade que dão para as discussões. É sempre mantido o mesmo tom, ora para acusação, ora para manter o título de salvação para mulheres como nós, sem se dar conta que isso também reforça a violência contra nós e contra todas as outras.
Porém, sempre estivemos aqui, observando a maneira que nos usam de cabresto ou de justificativa para violências absurdas. Lembro-me como se fosse ontem, a única vez que minha negativa não foi ouvida ou respeitada e meu corpo foi usado inconsciente e sem reação, uma das poucas coisas que ouvi foi a “explicação” para o ato: eu já era puta, já deveria estar acostumada, durante o estupro e também depois. E eu mesma acreditei nisso por um bom tempo. Exatamente como muitas outras mulheres que foram humilhadas por explicações como essa, prostitutas de fato ou não. Sofreu um estupro? Andava como uma puta por aí! Foi abusada por mais de trinta homens? Transava com quantos queria de uma vez como uma puta! Foi espancada e morta pelo marido? Claro, se comportava como uma puta e sequer cuidava da casa. Essa ultima semana discutimos sobre o caso de uma repórter assediada insistentemente por um astro hollywoodiano durante uma entrevista. A justificativa que deram para o comportamento dele? Ela não era nenhuma santa, se comportou com uma vadia em outra entrevista. E é assim que conseguem manter os privilégios do homem na sociedade: sustentando que puta é a pior coisa que uma mulher pode ser.
Lutamos por espaço e para que nossa voz seja ouvida a fim de acabar com o estigma que nos cerca, chegamos aos debates e somos obrigadas a ver outras mulheres se levantando e virando as costas como forma de protesto contra nossa presença, somos deslegitimadas o tempo todo, muitas vezes por termos o básico como o acesso e o uso da internet para nos reafirmamos socialmente. Isso também faz parte da manutenção do patriarcado ao qual somos todas submetidas e parte de mulheres que muitas vezes dizem estar contra a violência que todas sofremos. Não se dão conta do quão grave podem se tornar ações que consideram pequenas e inofensivas a nós, como o termo “estupro pago”. Acreditam que atacam o sistema machista que vivemos dessa forma, no entanto o que conseguem é alimentar a violência e disparar gatilhos e traumas fortíssimos para muitas mulheres que foram violentadas por ”serem putas”, auxiliando no processo de perpetuação do estigma como forma de controle sobre as outras mulheres.
Enquanto mantiverem a forma simplista de lutar contra a exploração sexual sem de fato nos ouvir ou sequer considerar as diferenças entre a exploração e o trabalho sexual vai existir violência e exposição das mulheres, como um efeito dominó onde todas caem juntas, putas ou não. É necessário que pensem nessa pauta antes de questionar a credibilidade do que é dito pelo movimento de prostitutas e levá-la para além dos temas relacionados apenas à prostituição na luta contra o estigma e, simultaneamente, contra a violência de gênero.
Aline Lopez: Feminista, putativista e dona do próprio nariz.
Poxa, obrigada, gostei muito de ler, bjao