Japão: agências de serviços sexuais lésbicos ganham popularidade
Em artigo publicado em 20 de novembro por The Conversation, a pesquisadora Marta Fanasca, da Universidade de Bolonha, examina as agências de entretenimento sexual lésbico que se tornaram populares no Japão. Tradução de Renato Martins
Na sociedade japonesa, a prostituição é frequentemente enquadrada como um mal necessário – uma maneira de manter a harmonia social ao fornecer aos homens uma saída para seus desejos sexuais reprimidos.
Embora haja uma série de problemas com essa visão – como a implicação de que os homens são inerentemente incapazes de controlar seus impulsos sexuais – ela também tem uma falha crítica: enquadra a prostituição como algo que apenas os homens querem ou precisam.
No Japão, a sexualidade feminina é frequentemente vista através das lentes estreitas do romance heterossexual e da maternidade.
“Rezu fūzoku” derruba essa visão.
Rezu fūzoku, que pode ser traduzido como “entretenimento sexual lésbico”, refere-se a agências onde trabalhadoras sexuais fornecem sexo a clientes mulheres. E no Japão, é totalmente legal. Comecei a investigar serviços comerciais de sexo e acompanhantes de mulher para mulher em 2023. Depois de estudar inicialmente o fenômeno de travestis de mulher para homem oferecendo encontros românticos e não sexuais a clientes mulheres, decidi expandir a investigação para focar em clientes que buscam sexo e romance. Os nomes das trabalhadoras sexuais e clientes que entrevistei em minha pesquisa foram alterados neste artigo para proteger seu anonimato.
Aproveitando um nicho de mercado
Ao contrário de muitos países que historicamente criminalizaram atos homossexuais, o Japão os proibiu apenas brevemente na década de 1870, durante uma era de rápidas reformas legais inspiradas no Ocidente.
Depois desse período, o país não reintroduziu leis criminalizando atos homossexuais, permitindo que relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo acontecessem em grande parte sem interferência legal – mesmo que continuassem desaprovados na sociedade japonesa.
Além disso, a prostituição homossexual nunca foi ilegal. O Japão promulgou uma lei antiprostituição rigorosa em 1956, que proíbe a prática, definida exclusivamente como sexo penetrativo pago entre um homem e uma mulher. Como resultado, qualquer atividade paga que esteja fora dessa definição — como sexo homossexual — não é considerada ilegal.
Para minha pesquisa, entrevistei um homem chamado Obō, o fundador do Lesbian Girls Club, uma agência com filiais em Osaka e Tóquio que fornece trabalhadoras sexuais para clientes mulheres.
Obō começou sua carreira como desenvolvedor web, mas logo ficou esgotado e desiludido.
“Eu queria começar meu próprio negócio e, como estava construindo sites para várias lojas de entretenimento adulto, decidi tentar algo semelhante. Rapidamente ficou claro que, embora o mercado estivesse inundado de serviços para homens, quase não havia nenhum para mulheres.”
Então Obō abriu em 2007 o Lesbian Girls Club, uma agência que organizava encontros entre trabalhadoras sexuis e clientes mulheres em hotéis, em vez de em um bordel. Desde então, tornou-se uma instituição no Japão, com algumas de suas trabalhadoras sexuis originais ainda trabalhando para Obō.
Uma clientela diversificada
Inicialmente um nicho de mercado, rezu fūzoku ganhou mais atenção quando a artista de mangá Nagata Kabi usou a agência de Obō e mais tarde relatou sua experiência em seu trabalho “My Lesbian Experience with Loneliness” [Sabishisugite Rezu Fuzoku Ni Ikimashita].
.O mangá premiado, que também foi lançado nos EUA e na Europa, apresentou o serviço a muitas mulheres japonesas que não o conheciam anteriormente.
Apesar do termo “rezu” – lésbica – no nome, a agência de Obō aceita mulheres de todas as orientações sexuais.
“Algumas de nossas clientes são lésbicas”, ele me disse. “Mas muitas são heterossexuais, também casadas. A maioria tem entre 26 e 35 anos, embora também tenhamos clientes na faixa dos 60 e 70 anos.”
Muitas mulheres japonesas ainda acham difícil explorar sua sexualidade e expressar seus desejos sexuais, mesmo com seus parceiros. Isso geralmente leva a experiências sexuais insatisfatórias, o que pode abrir caminho para relacionamentos sem sexo — algo que é cada vez mais comum no Japão e uma situação que muitas usuárias dos serviços rezu fūzoku compartilharam comigo.
Como Yuriko, uma cliente heterossexual de 35 anos do rezu fūzoku, explicou: “Pela primeira vez eu realmente gostei de sexo! O rezu fūzoku me deu a chance de experimentar coisas novas e me sentir bem.”
Sexo é bem-estar
Nas minhas entrevistas, o termo “iyashi” frequentemente aparecia.
Significa “cura” e se refere a atividades ou serviços que proporcionam alívio do estresse diário e sentimentos negativos. Assim como aulas de ioga ou massagens são vistas como formas de iyashi, o sexo — especialmente o sexo comercial — também é rotulado dessa forma no Japão.
“Os homens não entendem as mulheres e seus corpos”, disse Yuriko. “Mas a sexualidade é uma parte fundamental da vida, e ignorá-la só leva à frustração e insatisfação. Sexo é iyashi.”
O uso dessa palavra mostra como a prostituição no Japão nem sempre é vista como algo para se envergonhar, mas também pode ser vista como uma forma de autocuidado.
Por exemplo, a prática de enviar uma trabalhadora sexual para um hotel onde ela encontra o cliente é chamada em japonês de “deriheru”, ou saúde delivery, enfatizando a conexão com o reino iyashi. Além disso, uma sessão de 90 minutos com uma trabalhadora sexual profissional para mulheres é frequentemente chamada de “curso de bem-estar”, que vincula o sexo ao bem-estar físico e psicológico.
As próprias trabalhadoras sexuais também enfatizam a conexão entre sua ocupação e as práticas de iyashi, muitas vezes se referindo a si mesmas como “terapeutas” ou “elenco” e minimizando os aspectos sexuais de seu trabalho, em vez disso, destacando aqueles relacionados ao bem-estar. Conscientes do impacto positivo que seus serviços têm nas mulheres, muitas delas expressaram orgulho de seu trabalho durante nossas entrevistas.
“É gratificante”, disse-me Moe, que está na indústria há seis anos. “Quando uma cliente me diz que estava realmente lutando, mas agora sente que pode se esforçar um pouco mais porque nos conhecemos, fico feliz por ter escolhido este trabalho.”
Sua colega, Makiko, concordou. “Tenho orgulho deste trabalho. É muito importante para mim e acredito que é muito necessário na sociedade.”
Apesar do estigma generalizado contra profissionais do sexo na sociedade japonesa, o status legal dos serviços de rezu fūzoku oferece às trabalhadoras maior proteção e garante condições de trabalho claras.
E como um marcador de como a indústria cresceu, Tóquio sozinha atualmente abriga mais de 10 agências de rezu fūzoku, de acordo com minha pesquisa.
‘Um refúgio para o coração’
No entanto, apesar da existência de serviços voltados para o bem-estar sexual das mulheres, a desigualdade de gênero continua galopante no Japão.
As mulheres ainda enfrentam barreiras sociais e econômicas significativas. De acordo com o Relatório Global de Desigualdade de Gênero de 2024, do Fórum Econômico Mundial, o Japão está em 118º lugar entre 146 países em igualdade de gênero e ocupa a posição mais baixa entre as nações do G7.
Ao atender aos desejos sexuais das mulheres fora da estrutura heterossexual tradicional, o rezu fūzoku desafia as narrativas convencionais sobre a sexualidade feminina. Em um país que vem enfrentando queda nas taxas de casamento e natalidade, ouvir as mulheres e entender suas necessidades se tornou cada vez mais importante.
Esta forma legal de trabalho sexual claramente preenche uma necessidade, oferecendo às mulheres um lugar seguro para experimentar coisas novas e confiar seu prazer sexual a uma especialista – que por acaso é outra mulher. Uma coisa que se destacou na minha pesquisa foi a popularidade do serviço entre mulheres em relacionamentos heterossexuais que pareciam ansiosas para explorar desejos que podem ser difíceis de compartilhar com um parceiro.
Mas o que as clientes femininas buscam geralmente vai além do sexo em si. Muitas mulheres simplesmente querem intimidade – ser abraçadas, aconchegadas e cuidadas de uma forma que não está presente apenas na vida de mulheres solteiras, mas também na de mulheres em relacionamentos.
“Eu uso esse serviço para conforto e cura”, disse Sachi, uma mulher de 42 anos que é casada com um homem. “É um tipo de refúgio para o coração que oferece riqueza emocional.”
Marta Fanasca é uma Marie Curie Global Fellow na Università di Bologna
“Obtive meu Ph.D. em Estudos Japoneses na Universidade de Manchester enquanto investigava o fenômeno de dansō (travestis de mulher para homem) trabalhando como acompanhantes não sexuais no Japão contemporâneo. Fiz um pós-doutorado na Escola Superior de Economia em São Petersburgo e atualmente sou uma Marie Skłodowska-Curie Global Fellow afiliada à Alma Mater Studiorum University of Bologna (IT), KU Leuven (BLG) e Hosei University (JP). No meu atual projeto de pesquisa, exploro o desenvolvimento de serviços fornecidos por mulheres para atender às necessidades emocionais e sexuais das mulheres no Japão contemporâneo. Meu trabalho se aprofunda na relação e na tensão entre autoexpressão, intimidade e sua intersecção com o mercado neoliberal de uma perspectiva feminista.”