Gurias de atitude e luta
Dia 17 de dezembro é um dia de lutas. É o dia Internacional de Combate à Violência contra Trabalhadoras Sexuais. Em Porto Alegre, numa ação quase tímida – e muito linda – fomos às ruas. O tema escolhido para este ano foi o preconceito – não poderia haver melhor escolha, pois é por conta do preconceito que se dá a violência contra nós, tanto a simbólica (o assédio moral, os comentários agressivos e estigmatizantes que somos obrigadas a ouvir/ler por aí) quanto a real, física, palpável (assassinatos e agressões – a busca do Google, pra quem acha que eu exagero, é um bom parâmetro).
Programamos a ação com algumas semanas de antecedência e, na madrugada de 16 para 17, partimos pra colagem. Começamos pela Farrapos, tradicional ponto de meretrício em Porto Alegre, e seguimos até o Centro, chegando à Sete de Setembro. No outro dia, a intervenção foi na Galeria Malcon. Durante a ação, tivemos oportunidade de trocar ideias entre nós sobre preconceito e estigma, que nem sempre percebemos sofrer.
Também descemos dos carros, abordamos as colegas que atuam nas ruas, mulheres cis e mulheres trans. Fomos muito bem recebidas! É muito raro que nós, que anunciamos nossos serviços pela Internet, tenhamos a oportunidade de conversar com as colegas que atuam nas ruas, e elas tinham algumas dúvidas sobre nosso trabalho, e sobre como o preconceito também nos afeta. Essa conversa reforçou pra mim a importância de um trabalho visando inclusão digital, oficinas de blogs e redes sociais voltadas a trabalhadoras sexuais, como um modo de vencer a violência e lutar contra o estigma, além de (re)inclusão social.
Em outros pontos, foi interessante perceber as pessoas parando, lendo os cartazes e, em seguida, nos abordando para elogiar a iniciativa. Bingo! Missão cumprida, consciências, corações e mentes tocadas. Dia seguinte, na Malcon, começamos pelo NEP (Núcleo de Estudos da Prostituição). Era festa de encerramento de ano, reencontrei a Nilce (a moça do polêmico cartaz que dizia “Sou feliz sendo prostituta”, vetado pelo Ministério da Saúde), a Nathalia Alles (estudante de jornalismo e voluntária da instituição, além de minha seguidora e seguida de Twitter), e algumas das outras meninas (das quais nem sempre lembro os nomes).
Ponto triste desta ação foi ouvir a coordenadora/fundadora do NEP ler nosso cartaz e dizer “mas não existe mais violência contra prostitutas”. Existe, sim, e eu não pude deixar de lamentar o comentário. A violência hoje até pode assumir formato diverso do que os que assombravam as colegas à época em que o NEP surgiu (fala-se muito da violência policial, de extorsões, de sequestros e estupros), mas ainda é elemento bem presente em nossa rotina. Lembrei do constante assédio moral nos fóruns (no que, prontamente, colega que estava lá me apoiou) e de outras violências mais concretas, e que estampam a coluna policial seguidamente.
Eu sinceramente quero acreditar que ela apenas tenha se expressado mal. É inegável a importância do NEP no combate à violência contra as trabalhadoras sexuais e na luta por visibilidade e direitos durante estes mais de vinte anos de atuação. Eu espero que possamos tê-lo sempre como aliado em nossas lutas. Só temos a somar, juntas somos mais fortes.
Terminada a visita às gurias do NEP, seguimos, então, andar a andar da galeria. Deixamos os cartazes em algumas salas, colamos nos murais, conversamos com algumas colegas e clientes. Em dado momento, apareceu um segurança de cara amarrada, a saber o que estávamos fazendo. Intervenção acabou. Ainda hoje, passando pela Farrapos ou pelo Centro, se pode ver nossos cartazes. Orgulhosa de termos conseguido interferir, orgulhosa das interações, feliz de saber que não pararemos nisso.
Meus agradecimentos ao Mirgon Kayser Junior, ao Renato Martins, parceiros desde sempre em nossas lutas. À Juliana de Souza, companheira que nos ajudou no ‘lambe’. Às colegas Bianca Vaz e Brenda Paes, que me mostraram o quanto somos combativas e o quanto é importante essa nossa união (no começo, elas não confiaram no meu grude mas, ó: os cartazes que elas cuidadosamente colaram ainda estão lá). Ao pessoal do La Barca, que nos recebeu educadamente, permitindo que deixássemos nossos folders nos carros estacionados nos arredores. À Telassim Lewandosky, que esteve na Galeria Malcon comigo. E ao pessoal do gabinete do vereador Alberto Koppitke, em especial à Clarananda Barreira e à Tamires Gomes, responsáveis pela arte e impressão dos cartazes.
Agradeço também aos tuiteiros e facebookeiros que, através das redes, compartilharam nossos posts nos dias seguintes, que quisemos marcar como os 5 dias de ativismo digital pelo fim da violência contra as trabalhadoras sexuais #5DiasContraEstigma.