Legislação

França: trabalhadoras enfrentam nova ofensiva pela criminalização

Cerca de 100 trabalhadoras sexuais fizeram uma manifestação no último sábado em Paris para exigir a descriminalização de seu trabalho. O protesto foi convocado pelos sindicatos das trabalhadoras sexuais francesas poucos dias antes de o Senado francês voltar a examinar um projeto de lei que prejudica ainda mais a categoria. O debate do projeto para “reforçar a luta contra o sistema prostitucional” no Senado foi marcado para hoje e amanhã (30 e 31 de março).

Segundo a reportagem da rádio RFI, cerca de 100 trabalhadoras sexuais participaram da manifestação de sábado na praça Pigalle, em Paris (ouça a convocação do protesto aqui). Suas faixas diziam não à criminalização dos clientes e não às punições impostas à “racolage” (o oferecimento de serviços sexuais em locais públicos).

Ai Ying, que trabalha em Belleville e é dirigente do sindicato Roses d’Acier (Rosas de Aço, que representa trabalhadoras sexuais de origem chinesa na França), disse que “nós somos contra a criminalização dos clientes porque isso terá efeitos muito negativos para nos trabalhadoras sexuais. Primeiro em nosso faturamento, porque poderemos ter menos clientes. Também existe a preocupação de que haja mais perigo e mais problemas para nós. E a lei não nos ajuda a mudar de trabalho, não muda nosso maior problema, que é a falta de permissão para residência”.

O governo francês, liderado pelo presidente François Hollande, do Partido Socialista (PS), tem a pretensão de erradicar a prostituição por meio da criminalização do cliente, como na Suécia. A oposição, majoritária no Senado, prefere que volte a ser crime a “racolage”, mas isso foi rejeitado pela Assembleia Nacional (equivalente à Câmara dos Deputados) em dezembro do ano passado.

Segundo o Libération, o projeto foi reapresentado por duas deputadas do PS, Catherine Coutelle e Maud Olivier. A reapresentação “é um avanço importante e é por isso que o governo está engajado”, disse a secretária de Estado para Direitos das Mulheres, Pascale Boistard.

“Queremos cumprimentar a Conferência de Presidentes do Senado pelo esperado registro, e também os senadores e senadoras socialistas, ecologistas, comunistas e centristas do UMP que trabalharam ali. O primeiro-ministro Manuel Valls e seu governo se comprometeram, e damos nossas boas vindas a isso”, disse um porta-voz das deputadas Coutelle e Olivier, citado pela France Presse.

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A organização feminista efFRONTé, que também atua pela abolição do trabalho sexual, comemorou o fato de o projeto de lei contra as trabalhadoras ter “finalmente” sido reapresentado e que vai organizar manifestações “agora que avançou uma legislação geral, eficaz e que tem meios para sua aplicação”.

Para as organizações não governamentais que atuam junto às trabalhadoras sexuais, as medidas propostas tornarão ainda mais precária a situação das trabalhadoras sexuais francesas. “A situação das trabalhadoras sexuais é dramática. Elas enfrentam violência cotidiana e grandes riscos à saúde. Qualquer lei como essa promove mais risco e as condena a viver na insegurança”, disse Tim Laster, da Médecins du Monde (Médicos do Mundo).

Segundo o jornal L’Express, o texto original da Assembleia Nacional propunha revogar a designação da “racolage” como crime, adotada em 2003 durante o governo do presidente Nicolas Sarkozy. “A polícia defende [essa lei] como uma ferramenta que lhe permite aprender sobre prostitutas e a atividade das redes [de tráfico humano] por meio de prisões e interrogatórios”, diz o jornal.

Ainda de acordo com o L’Express, “em compensação pela revogação da lei da ‘racolage’, o texto original previa a imposição de uma multa de 1.500 euros a pessoas que usassem os serviços de uma prostituta, com base no exemplo da Suécia” (…) “Oponentes da medida dizem que ela terá as mesmas consequências que a lei da ‘racolage’: levar as prostitutas anda mais à clandestinidade e à insegurança, deixando-as à mercê dos clientes. Na Assembleia, a questão dividiu os partidos. No comitê do Senado, os socialistas se uniram em apoio à proposta e o UMP se opôs, assim como os Verdes.”

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“Quanto é?” “150.” “Está caro!” “Mas não, meu coelho, é mais barato do que a multa que você vai pagar se eu te denunciar aos tiras!”

O novo projeto também piora o tratamento dado a trabalhadoras sexuais que sejam imigrantes não documentadas. Segundo o L’Express, “o texto original previa a concessão de uma permissão de residência por seis meses, dependendo de decisão das prefeituras. Muitos deputados do UMP votaram contra, por verem a lei como um “fator de atração” para a imigração ilegal. O Comitê Especial do Senado inicialmente aumentava a duração da permissão para residência para um ano, com concessão automática, mas uma nova emenda apresentada pelos socialistas reduz as permissões para apenas seis meses e não as torna um direito”.

Pelo novo projeto, usar minissaia e saltos altos poderá ser considerado ilegal pelas autoridades policiais que achem que uma mulher “se parece com uma prostituta”. O texto – que caso aprovado será incorporado ao Artigo 225 do Código Penal francês – torna ilegal a “racolage passiva”, definida como “o ato de oferecer sexo pago por quaisquer meios, inclusive comportamento passivo”.

Chloé Navarro, porta-voz do sindicato de trabalhadoras sexuais Strass, disse que o novo projeto “é um enorme passo para trás”. “Ele transforma mulheres em criminosas por causa da maneira como elas se vestem e vitimiza as prostitutas por fazerem seu trabalho, além de agravar suas condições de trabalho.”

Pesquisa recente citada pelo jornal britânico Mirror indica que há mais de 20 mil trabalhadoras sexuais em atividade na França e que 60% dos franceses, homens e mulheres, querem que o trabalho sexual seja legalizado. Antes de a atividade ser tornada ilegal, em 1946, havia cerca de 1.400 estabelecimentos legalizados no país.