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Feministas podem aprender um ou dois truques com as trabalhadoras sexuais

Por Meena Seshu, secretária-geral da Sangram, para o site Contestations

Para muitas feministas, o trabalho sexual – ou a prostituição, como preferem chamá-lo – simboliza a opressão, a vitimização e a exploração da condição feminina. Essas feministas olham para a prestação de serviços sexuais através de um modelo construído por uma compreensão rígida do patriarcado, vendo-a como uma objetificação do corpo das mulheres e como a comercialização do sexo.

Assim, para essas feministas, as prostitutas são vítimas de relações desiguais de poder entre os sexos. Nenhuma mulher ‘real’ concordaria em atuar no trabalho sexual e, se ela o faz, está sob a ilusão da “falsa consciência”. Ouvimos ativistas feministas radicais falarem da prostituição como “escravidão sexual feminina” e “vitimização sexual”. A troca de serviços sexuais por dinheiro [prostituição] passa a ser confundida com a venda de um corpo para outro [tráfico], e a figura da “mulher prostituída” surge para representar a última vítima do poder masculino. Ao descrever a prostituição como violência, elas impedem qualquer discussão sobre se as mulheres podem escolher ativamente o trabalho sexual como uma opção de vida.

Essas percepções ecoam o discurso reformista dos primeiros tempos do feminismo, que vê a necessidade de proteger as mulheres, preferencialmente através de leis, dos homens lascivos. Mas o que é difícil de tolerar para esses tipos de feministas é que, para algumas mulheres, em alguns contextos, o trabalho sexual é um meio de vida, um negócio, uma forma de emprego da qual elas não desejam ser ‘resgatadas’ ou ‘reabilitadas’. E o que é ainda mais preocupante para elas é que a imagem da vítima inocente atraída para uma vida de depravação moral sem esperança é quebrada quando as reais trabalhadoras do sexo se tornam visíveis.

Uma vertente particular do feminismo une as mãos com a extrema-direita que informa o discurso anti-tráfico, no qual a prostituição é vista como uma forma de violência contra as mulheres. Tais discursos nascem muitas vezes de posições privilegiadas de classe, raça ou casta, e analisam a negociação do sexo através de um quadro estreito. Isso, na prática, limita a compreensão do trabalho sexual, sintetizando o trabalho sexual como opressão, vitimização e exploração de mulheres e apresentando essas mulheres apenas como vítimas de relações desiguais de gênero.

A violência contra a mulher (VCM) tem enfocado a violência doméstica, o estupro, o assédio sexual, ataques com ácido, etc. Quando a VCM é confundida com o trabalho sexual, torna-se difícil ter uma visão clara. Por exemplo, a maioria das trabalhadoras sexuais relata que, em geral, sofre violência e exploração nas mãos de policiais e de bandidos locais, não nas relações sexuais com os clientes. É convenientemente esquecido que a maior incidência de VCM ocorre em casamentos, não nas relações entre as trabalhadoras sexuais e seus clientes. É especialmente irônico que grande parte da violência que ocorre no campo do trabalho sexual seja perpetrada ou sancionada pelo Estado, tal como a violência utilizada para justificar ações truculentas contra a indústria do sexo, o fechamento e ‘limpeza’ de bordéis e as operações de ‘ataque e ​​salvamento’ instigadas por organizações estrangeiras de natureza dúbia que têm suas próprias agendas morais.

A visão que confunde o trabalho sexual com o tráfico e a violência contra a mulher tem apresentado grandes obstáculos para as iniciativas que trabalham em favor dos direitos das trabalhadoras sexuais. Por exemplo, em 2005, um evangelista americano que trabalha para a ONG de combate ao tráfico Restore International chegou em Sangli – onde o coletivo de profissionais do sexo VAMP (Veshya Anyay Mukti Parishad) tem sua sede – e, com a assistência da polícia local, realizou várias incursões em bordéis. Houve a suposição de que todas as mulheres jovens que vivem na área estavam fazendo trabalho sexual, tinham sido traficadas e precisavam de ‘resgate’. Trinta e cinco mulheres foram capturadas e enviadas para exames médicos para determinar sua idade. Elas ficaram detidas por vários dias sob o comando da Restore International.

Verificou-se que apenas quatro das mulheres detidas eram menores de idade, das quais duas não estavam fazendo trabalho sexual, mas vivendo com parentes na região. As mulheres não receberam nenhum pedido de desculpas ou compensação por perda de rendimentos, e a organização tem continuado a realizar incursões periodicamente. Organizações de trabalhadoras sexuais como a VAMP enfrentam uma luta contínua contra um poderoso conjunto de agentes que compreendem mal o seu trabalho, interpretam os sucessos empresariais e o empoderamento das mulheres como necessariamente envolvendo práticas ilegais e assumem um agressivo papel de policiamento sob o manto da autoridade moral.

A visão da prostituta como vítima gerou várias posições sobre a prostituição. Porque as mulheres são conceituadas como ‘escravas’, uma abordagem quer acabar com a prostituição no sentido literal – destruindo-a. O Estado e outras instituições, como ONGs, muitas vezes usam essa abordagem abolicionista.

Outra posição feminista postula que as mulheres na prostituição precisam ser reformadas porque, como mulheres que fazem trabalho sexual, elas não têm ‘caráter’. Estratégias de resgate e reabilitação são usados ​​nesse caso. O pressuposto é que as mulheres precisam ser salvas do trabalho sexual e que a reabilitação pode dar-lhes empregos alternativos.

Uma terceira estratégia, a abordagem regulatória, depende de leis. Sua posição não é de proibir a prostituição, mas sim de aceitar que a prostituição está aqui para ficar e precisa de regulamentação. Leis como a Lei de Prevenção do Tráfego Imoral (ITPA), promulgada na Índia em 1956, são reflexo desta abordagem.

Ainda uma outra abordagem é a baseada nos direitos – essa não se pronuncia sobre o mérito ou a moralidade do trabalho sexual, por si só, afirma que as mulheres envolvidas com trabalho sexual devem ter os mesmos direitos e benefícios de qualquer outro cidadão, e que o Estado deve assumir o dever de assegurar o cumprimento desses direitos.

É em torno da última destas abordagens que as próprias profissionais do sexo estão se mobilizando. A ação coletiva e a crescente visibilidade do seu movimento por direitos e por reconhecimento está permitindo que trabalhadoras sexuais ousem sair da posição de vítimas e exijam ser vistas como verdadeiros seres humanos com direitos, necessidades, medos, esperanças e aspirações, assim como qualquer outra pessoa. Depois de décadas de luta, elas estão lentamente começando a ser reconhecidas como pessoas e cidadãs.

O que aprendemos, se as ouvimos, é que um dos maiores desafios que enfrentam é o estigma. O estigma é uma espada de dois gumes. Ele produz a exclusão – profissionais do sexo frequentemente passam por discriminação social, impõe barreiras para o acesso a serviços e, às vezes, meios violentos para reforçar divisões sociais que as mantêm fora dos espaços públicos e das instituições. E esse estigma também se manifesta na quantidade excessiva de atenção indesejada com a qual trabalhadoras sexuais se defrontam por parte do Estado, de ONGs e de organizações religiosas que muitas vezes têm pouco interesse em seus direitos e no seu empoderamento como trabalhadoras, e as veem apenas como instrumentos e objetos.

Para que o estigma da discriminação chegue ao fim, e para que os direitos fundamentais sejam estendidos a fim de que profissionais do sexo possam sustentar suas vidas, a percepção da sociedade deve ser transformada. Para que essa grande mudança possa acontecer, pequenos passos devem ser adotados.

Falar, levantar-se e ser levado em conta é um passo adiante na campanha por direitos – o direito à dignidade, ao trabalho, de ganhar a vida, à educação, à saúde e ao lazer –, direitos que estão disponíveis para todos os cidadãos. Em vez de deixar as trabalhadoras sexuais fora da conversa, é hora de as feministas começarem a ouvir o que elas têm a dizer – elas poderão aprender um ou dois truques sobre a negociação com o patriarcado, bem como chegar a uma compreensão mais humilde do papel que as feministas poderiam desempenhar na luta maior pelos direitos, pela dignidade e pela liberdade, na qual as trabalhadores sexuais estão agindo como líderes.


A Sangram – Sampada Grameen Mahila Sanstha é uma organização indiana que trabalha pelos direitos de trabalhadoras sexuais e de pessoas que vivem com HIV/AIDS. O Centro de Defesa contra o Estigma e a Marginalização da SANGRAM trabalha pela redução do estigma, da violência e do assédio de comunidades marginalizadas, especialmente aquelas que desafiam as normas dominantes. Em 2002, Meena Seshu recebeu o Prêmio de Defensora dos Direitos Humanos da Human Rights Watch.

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