Debate: por que o coletivo de mulheres da CUT é contra legalizar a prostituição?
A quem pertence a CUT, afinal?
Em 24 de dezembro de 2013, o Partido da Causa Operária respondeu ao documento “Mulheres da CUT são contra a legalização da prostituição”, que havia sido publicado em 3 de dezembro. Veja o artigo:
No início de dezembro o Coletivo de Mulheres da CUT se reuniu para tirar um posicionamento a respeito da regulamentação da prostituição que está em discussão no Congresso.
Ao fim do debate a posição da Central Única dos Trabalhadores foi de que “regulamentar a prostituição é legalizar a exploração do corpo das mulheres”. A declaração é da Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane Silva.
Com isso, a CUT fecha posição contra a regulamentação da prostituição e inevitavelmente nega direitos às prostitutas. Tudo porque seria necessário focar nos “fatores econômicos que levam as mulheres a esta exploração” e em “um sistema de exploração que coloca nosso corpo à disposição do desejo dos homens”.
A discussão diz respeito aos direitos das mulheres, mas ficou com cara de disputa eleitoral quando o deputado autor de um projeto que tramita na Câmara dos Deputados criticou a posição das mulheres da CUT como se fosse uma reação contra o projeto de sua autoria.
O fato é que nem o projeto do deputado Jean Willys, do Psol, nem a posição da secretária de mulheres da CUT contempla as necessidades das mulheres dentro ou fora da prostituição.
Neste momento não discutiremos os pormenores do PL 4.211/2012, mas a necessidade de defender a regulamentação como forma de tirar do limbo essas mulheres que atuam numa profissão que existe antes mesmo da formação capitalista.
Não se combate a exploração discriminando
O argumento apresentado pelas “mulheres da CUT” é o mais comum entre a esquerda, que acusa os defensores da regulamentação de estarem contribuindo com a proteção da exploração e da indústria do turismo sexual, especialmente diante dos grandes eventos esportivos dos quais o Brasil será sede nos próximos anos.
Como se a não regulamentação contribuísse para a mudança da visão da mulher brasileira no exterior, e servisse ao combate deste estereótipo ou contra “esse mercado”.
Também acusam o argumento da realidade que se impõem: “Dizer que a regulamentação é necessária simplesmente porque a prostituição existe é o mesmo que dizer que é necessário legalizar o trabalho infantil ou escravo simplesmente porque existem e é uma forma de levar renda às famílias.”
Uma coisa que a dirigente da CUT e mais de uma organização de mulheres ligadas ao PT precisariam explicar é como a atual situação atua sobre os “fatores econômicos”. Ou como deixar as mulheres em situação de prostituição, nas ruas, à mercê de cafetões, da polícia e de todo tipo de violência pode contribuir com o fim do “sistema de exploração…”
Regulamentar para dar direitos
Negar a regulamentação da prostituição é negar direitos às mulheres. Para defender esse direito você não precisa apoiar ou concordar com a prática. Trata-se simplesmente de reconhecer uma necessidade. Dar direitos a um setor que está totalmente marginalizado. E aí estamos falando mesmo das mais pobres, que recorrem à prostituição como meio de sobrevivência pura e simples.
É como a política para as drogas ou para o problema do aborto. São realidades que não podem ser encaradas pelo Estado sob um ponto de vista moral.
Não é porque uma pessoa condena esta ou aquela prática, por qualquer motivo que seja, que ela deve querer que o Estado faça o mesmo. A não regulamentação da prostituição trata-se exatamente disso.
Do mesmo modo que a consideração individual sobre o aborto não é motivo para mantê-lo ilegal, o que significa prender mulheres apenas porque interromperam a gravidez; também no caso da prostituição não devemos deixar as mulheres na ilegalidade, sem nenhum tipo de segurança, sendo ameaçadas e chantageadas pela polícia e por cafetões, apenas porque pensamos que a mulher não deve se sujeitar a esse modo de vida. Virar as costas a essa realidade, pedir que o Estado condene a prática, é concordar com a repressão estatal a elas.
O movimento de mulheres precisa encarar que no caso do aborto ou das drogas o debate é exatamente o mesmo. Os setores religiosos apelam “ao bem maior” que é a vida para exigir que o Estado criminalize o aborto.
Os setores progressistas, de esquerda precisam entender essa diferença. Ser contra e defender políticas que deem alternativa à mulheres para que não precisem recorrer à prostituição não deve significar ser a favor da repressão estatal a essas práticas.
É preciso dar direitos às prostitutas como uma perspectiva de combater também a exploração sexual. Isso não vai estimular a prática, mas vai tirar do açoite do cafetão e da polícia as mulheres que estão na prostituição. Não é possível continuar ignorando que existem milhares de mulheres que estão nas ruas se prostituindo sofrendo abusos de todos os lados.
Ser de esquerda é defender direitos. Defender a repressão do Estado é ser conservador, de direita, por mais que as justificativas para isso sejam “boas”. Sim. É necessário combater a realidade que leva muitas mulheres a este recurso de sobrevivência. Mas isso não pode ser feito sem reconhecer a existência dessas mulheres nas condições em que elas estão hoje. Manter a situação atual não serve para combater a prostituição, mas para trazer mais sofrimento a elas.
Como as drogas ou o aborto, a falta de regulamentação, a ilegalidade não tem servido ao propósito de impedir a prática. Serve apenas para manter o que está e não a qualquer mudança em favor e benefício das mulheres.
É claro que a regulamentação pura e simplesmente também não vai acabar com a exploração, mas é sem dúvida o começo de uma existência mais digna para essas mulheres.
Em 2 de junho, no debate ocorrido na Prefeitura de Campinas (SP) por ocasião do Dia Internacional da Prostituta, manifestamos estranheza em relação ao documento das “Senhoras da CUT”. Mais tarde, durante o Desfile da Daspu que aconteceu na praça atrás da Catedral, Betânia, líder da Associação Mulheres Guerreiras de Campinas, fez questão de desfilar com uma bandeira da CUT. Como que dizendo: “A CUT somos nós.” Temos o vídeo, mas ele é grande demais para postar aqui. Ele está aqui.
Em todo caso, Monique Prada comentou:
“Os benefícios da CLT seriam desfrutados justamente pelas cafetinadas” pelo óbvio motivo de que as profissionais que atuam de modo independente não tem empregador! O ponto positivo do PL é justamente regulamentar o funcionamento das casas de prostituição. A partir daí, a profissional que atua nestes estabelecimentos passa a ter respaldo legal para cobrar o que lhe é devido. Hoje, as casas existem à sombra da lei, o que abre brechas (muito bem utilizadas, diga-se de passagem) para a atuação de exploradores, muitos deles vinculados à polícia.
Quanto mais se tem a atividade vinculada à ilegalidade e às sombras, tanto mais a exploração se legitima e perpetua.
Ponto pacífico é que, não regulamentada a atividade, ela não deixará de existir. Apenas seguiremos trabalhando e existindo à margem da sociedade, esta que nos alimenta mas não nos quer à mesa….
Negar o direito à regulamentação é negar direitos e dignidade a um número imenso de trabalhadoras (e trabalhadorEs), é favorecer sua marginalização, é lutar contra aqueles a quem se diz defender. Nosso trabalho é digno, é honesto. O estigma, este sim, é cretino, este sim, mata.
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