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Silvia Federici fala sobre trabalho sexual, estigma e feminismo

A filósofa, escritora e ativista Silvia Federici falou sobre trabalho sexual, estigma e feminismo no marco do 6º Festival Subversivo, em Zagreb, na Croácia, em 2013. Veja a seguir um trecho da entrevista/palestra, publicada originalmente no site Feminisme et Puterie.

Traduzido do espanhol para o português por Monique Prada, a partir do blog da Red por el Reconocimiento del Trabajo Sexual.

Pergunta: Bom, a institucionalização da prostituição. Algo que a constituição europeia permite. Não vemos mulheres sendo incendiadas como em Bangladesh, mas vemos bordeis na fronteira da Áustria e da República Tcheca, e penso que é uma luta muito importante em conformidade com a prostituição institucionalizada…

Silvia Federici: Penso que há uma continuidade com os anos (19)80 e o processo de globalização e, de alguma forma, sua fase inicial, o período do desenvolvimento das relações capitalistas. Os que leram Calibã e a bruxa saberão que falo da massificação da prostituição. Uma das principais consequências da expropriação da  terra foi a massificação da prostituição. Ao mesmo tempo em que a prostituição havia sido aceita na Idade Média,  foi criminalizada e não obstante, se supõe, foi um dos caminhos a que as mulheres recorreram para, basicamente, aceder às terras comunitárias. Vemos os mesmos processos na atualidade. E mais, há uma massificação da prostituição como trabalho sexual ao redor do mundo.

Penso que até certo ponto, mas de forma limitada, o aumento da quantidade de mulheres que estão se envolvendo com trabalho sexual tem a ver com o movimento feminista. Este contribuiu para minar o estigma moral do trabalho sexual. Penso que o movimento de mulheres também lhes deu poder, por exemplo, às prostitutas para representar-se a si mesmas como trabalhadoras sexuais.

Não é coincidência que quando começa o movimento feminista, começa também o movimento de trabalhadoras sexuais na Europa, por exemplo. Com o estigma, as feministas também atacaram a hipocrisia: a mãe santa, esta visão da mulher, a completamente sacrificada, e a prostituta, essa mulher que exerce o trabalho sexual mas apenas por dinheiro.

E lhe pagam, então está violando a primeira regra: que a mulher trabalha a troco de nada. E temos a separação da “mulher má” da “boa mulher”. O movimento de mulheres realmente desafiou essa separação e desta maneira deu poder às trabalhadoras sexuais para que se mobilizassem.

Por consequência, aumentou a quantidade de trabalhadoras sexuais… Há muitas mulheres: estudantes, também donas de casa, que eu conheço nos Estados Unidos, que se dedicam ao trabalho sexual como complemento dos trabalhos nos quais não ganham o suficiente, ou para pagar sua educação. Conheço muitos, muitos casos de mulheres que fazem isso. E ainda mais agora que existe o trabalho sexual eletrônico, que se pode realmente exercer a partir de casa; por exemplo, o sexo interativo. Não sei se vocês têm este tipo de trabalho sexual. Mas o sexo telefônico, o sexo interativo, são formas através das quais o trabalho sexual pode se integrar às suas rotinas, enquanto cozinham. Mas muito do aumento do número de trabalhadoras sexuais tem a ver com as condições de vida. Ao fim e ao cabo, o trabalho sexual rende mais que trabalhar de mucama. Muitas mulheres, tenho investigado sobre mulheres imigrantes que migraram como mucamas, enfermeiras e em muitos casos depois de um ou dois anos, optam por exercer o trabalho sexual por que podem ganhar mais em muito menos tempo.

Obviamente, como no seio do trabalho sexual se encontra todo tipo de coerção, de brutalidade, o negócio do sexo é um dos mais violentos. Mas não é o mais violento. Se você trabalha em uma Zona Franca de Exportação tua vida está muito mais em risco do que se trabalhar num bordel ou na rua.

Penso que há um problema fundamental no movimento feminista. O movimento feminista está realmente dividido no que diz respeito ao trabalho sexual. E eu não sei como é aqui na Croácia, como é nos Bálcãs, mas sei que há muitas discussões com amigas feministas, que geralmente estão do outro lado, por que tenho algumas amigas, algumas feministas, que não querem nem ouvir falar de trabalho sexual. Pensam que apenas falar de trabalho sexual é validar uma atividade contrária aos direitos das mulheres, que é basicamente contrária à imagem transformadora das mulheres.

E por outro lado, há muitas outras feministas que veem ao trabalho sexual como um tipo de trabalho legítimo entre as opções de que dispõe as mulheres, e eu me posiciono neste segundo grupo. Penso que criticar particularmente as mulheres que escolhem o trabalho sexual é uma visão míope, por que deriva de uma posição moralista, dado que há muitas outras formas de trabalho que também expõem as mulheres às mesmas situações perigosas. E talvez em alguns casos inclusive mais. E expõem as mulheres a situações que basicamente as põem em uma posição completamente subordinada, e essa é uma posição que as faz vulneráveis à violência também.

Bom, vou parar por aqui. Gostaria de escutar, talvez, alguns comentários de vocês sobre esta questão.

(silêncio)

(moderadora): comentários, por favor. Não temam falar de sexo.

(mais silêncio)


Silvia Federici (1942, Parma, Itália) é escritora, professora e ativista feminista, autora de Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva e de O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista.

Os dois livros podem ser baixados em espanhol gratuitamente, disponibilizados pelo projeto Traficantes de Sueños.


Um comentário sobre “Silvia Federici fala sobre trabalho sexual, estigma e feminismo

  • Acredito que é um tema que precisa ser discutido de forma ampla na sociedade, o discurso moralista e patriarcal impede a construção de uma discussão lúcida e aberta sobre o assunto.

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