O debate sobre trabalho sexual não é sobre o cliente
Por Aline Lopez
Tenho evitado falar sobre os homens que contratam prostitutas em meu ativismo até que me vi obrigada a falar sobre eles dentro de toda uma luta que envolve mulheres em sua maioria. Não é de livre e espontânea vontade, obviamente, mas são eles que vêm ganhando o enfoque da luta contra a prostituição – quando o foco deveria ser as mulheres que exercem esse trabalho.
Devo começar ressaltando pontos que qualquer um de vocês pode comprovar sozinho ao buscar por textos meus ou de outras prostitutas: não falamos sobre nosso trabalho como empoderamento ou empoderador.
O termo “escolha” é frequentemente usado em debates para classificar as prostitutas entre as que devem ser ouvidas e as que devem ser ignoradas. É inacreditável que em 2017 ainda existam pessoas que falam sobre escolha ao se referir a um trabalho precário e estigmatizado como é a prostituição hoje, no Brasil e no mundo. Isso se dá pela ascensão de prostitutas no meio acadêmico e social. Resumindo: a partir do momento que o trabalho te dá condições de entrar na universidade ou sair da linha de pobreza e miséria, ele se torna uma escolha feliz e segura na sua vida, basicamente, então você passa a não servir para falar sobre o tema. O mesmo se dá com as prostitutas que se atrevem a falar sobre seu trabalho em público ou lutar por melhores condições e maior segurança para exercê-lo.
Em meio a tantas discussões eu vejo – não mais com surpresa – o quanto os homens são levados em consideração quando o assunto é prostituição. O enfoque é praticamente todo neles. Existem estudos comportamentais sobre os homens que pagam prostitutas, existem matérias sobre as motivações dos homens que procuram prostitutas, existem pesquisas sobre o estado civil deles e suas atividades no mercado de trabalho, mas não existe quase nada sobre nós, nossas motivações, estado civil ou vida e família. O primeiro argumento contra a regulamentação do trabalho sexual que aparece nos debates é sobre eles, sobre como eles amam pagar por nosso trabalho (RISOS), sobre como eles vão se beneficiar com nossas conquistas e sobre como a vida deles será melhor quando prostitutas passam a defender seu direito de trabalhar.
Bom, tenho uma novidade pra contar: nossa luta é motivada por nós, por nossos interesses, não pelos interesses ou direitos dos homens.
Homens não gostam de pagar por sexo. Eles inclusive tentam nos convencer a não cobrar, como a maioria das mulheres faz. Nos cobram a obrigatoriedade do que consideram direito deles: o sexo casual gratuito.
Eu tenho também outra novidade: homens se beneficiam de conquistas femininas desde sempre. Não nos deram o direito ao voto por que nos viam como gente, nos deram o direito ao voto por saber que isso aumentaria a quantidade de votos. Homens não encaram a pílula como uma grande conquista nossa, eles se sentem aliviados porque a responsabilidade contraceptiva é só nossa. O direito ao divórcio nos deu o direito de ter a guarda dos filhos – me digam quem assume a responsabilidade hoje e quem sai de uma relação tranquilo e livre? Sim, exatamente…
A verdade é que quem decide se essas são conquistas femininas ou masculinas somos nós, mulheres.
Eu não gosto de ver debates sobre meu trabalho focados nos homens, sinceramente.
Eu, Aline, posso até parecer a maior misândrica que vocês conhecem, mas eu não dou a mínima sobre a vida de quem me procura e eu não quero ver homens como centro das discussões sobre o meu trabalho, sobre a vida de mulheres que são como eu ou sobre o que devemos ou não falar. Não podemos nem mesmo falar que somos putas, porque essa é uma palavra que os homens usam como forma de opressão a mulheres.
De repente, me vejo cercada de várias proibições, simplesmente porque as pessoas estão muito mais preocupadas com os homens que contratam serviços sexuais do que com as mulheres que trabalham com sexo. Ouvem muito mais os homens sobre o assunto do que as mulheres que estão nessa. Acho que já chega né?
Debates sobre prostituição são sobre trabalhadoras e trabalhadores que o exercem, nunca podem ser sobre quem paga por seus serviços ou sobre sua vida pessoal e/ou profissional. Debates sobre prostituição são debates pelo nosso direito de trabalhar em segurança, sobre a nossa luta contra a exploração sexual e sobre melhores condições de vida, nunca podem ser sobre o estado civil do cliente e sobre seus relacionamentos.
Será um grande passo para um consenso quando conseguirmos processar esses pontos e seguir adiante – preferencialmente juntas.
Aline Lopez: Feminista, putativista e dona do próprio nariz.