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Não pergunte se a pornografia “empodera” as mulheres; pergunte se o seu feminismo faz isso

A atriz, diretora e produtora pornô britânica Pandora Blake é feminista. Ela escreve para o New Statesman.

No Dia Internacional da Mulher, “empoderamento” foi uma palavra que eu ouvi muito. Faz sentido – como feministas, sabemos que o poder não é distribuído de maneira justa e estamos preocupadas com aquelas estruturas opressivas. Mas fiquei decepcionada quando, como parte do Festival Mulheres do Mundo, na semana passada, o Woman’s Hour, da BBC, decidiu debater a questão “pode a pornografia empoderar a mulher?”.

Essa pergunta não só depende de premissas equivocadas, que limitam a formulação do debate, como também erra o alvo. Posso dizer a vocês que eu me senti empoderada tanto assistindo a pornografia como fazendo (o que eu fiz), mas a verdade é que isso não importa. Quando estamos falando sobre a indústria da pornografia como local de trabalho, não interessa se os atores pornô são empoderados ou não por seu trabalho – eles são agentes do processo, e ainda têm direitos.

A pornografia é um dos trabalhos menos marginalizados dentro da indústria do sexo, mas ela ainda sofre com a mesma falácia, assim como todas as outras discussões sobre trabalho sexual – a ideia de que ela é uma opção legítima somente se é “empoderadora”. Nós não exigimos que outras indústrias atendam a esse padrão. Menos de 8% dos filmes que obtiveram as maiores receitas em 2014 foram dirigidos por mulheres, e os filmes de Hollywood perpetuam tantas narrativas tóxicas sobre sexo e relacionamentos quanto a pornografia – e, ainda assim, não estamos perguntando se “o cinema empodera as mulheres”.

Não fazemos essa pergunta sobre outras indústrias porque ela assume – falsamente – que elas são monolíticas. A pornografia é um meio criativo, tão variado como qualquer outro. Como a maior parte de nossa mídia de entretenimento, uma boa parte da pornografia é sexista e uma parte grande demais dela tem sido, historicamente, feita por homens para homens. Mas dizer que toda a pornografia é sexista porque você só viu a pior parte dela é como dizer que toda a TV é sexista porque você só assistiu a Baywatch.

Pandora Blake (segunda à dir.) durante o debate

Por que nós temos a expectativa de um “empoderamento” do trabalho sexual, mas não de outros trabalhos? Nesta sociedade patriarcal, muito do trabalho é centrado em gênero, na maior parte do setor de serviços de uma forma ou de outra, de enfermagem a cuidar de crianças. Nós não exigimos que garçonetes se sintam “empoderadas” em seu trabalho para reconhecer que elas são agentes na escolha de seu trabalho, e não dizemos a outras trabalhadoras que atendem clientes masculinos que elas não podem ser feministas. A falácia do empoderamento só é aplicada à indústria do sexo, e ela é profundamente insidiosa.

Todos nós vendemos nosso trabalho para pagar por comida e abrigo. Alguns de nós, como eu – os sortudos – às vezes faríamos de graça o trabalho que fazemos, mas nós não o faríamos tanto, ou exatamente da mesma maneira, se não tivéssemos que pagar o aluguel. Se há algo que nos deprecia é o capitalismo, não nossas escolhas individuais dentro dele.

Nossa sociedade tem uma enorme desigualdade estrutural, mobilidade social decrescente, desigualdade de renda crescente, e limites e expectativas impostos a nós por causa de nosso gênero, classe e muitos outros fatores que não controlamos. A maioria de nós em algum momento se sentiu degradada ou explorada no local de trabalho – e quanto menos escolhas tivermos, isso é mais provável de acontecer. A demanda de que a pornografia “empodere” os atores é profundamente classista.

Trabalhadores empoderados costumam ser trabalhadores privilegiados, mas todos os trabalhadores merecem direitos trabalhistas básicos. Pessoalmente, eu adoro atuar em pornografia que expresse minha sexualidade autêntica, e adoro ser paga fazendo algo tão recompensador. Mas estou ciente de que minha experiência tem sido empoderadora porque eu me beneficio de uma intersecção de privilégios cis, de raça, classe e corpo. Dar exposição somente a trabalhadoras sexuais “empoderadas” perpetua as estruturas opressivas que o feminismo deveria estar combatendo. Quando eu, e não uma trabalhadora sexual mais marginalizada, sou convidada a debater pornografia, e então me dizem que eu não sou “representativa”, meus oponentes estão usando a narrativa do empoderamento para silenciar e descartar todas as trabalhadoras sexuais.

Mesmo que um ator ou atriz odeie fazer pornografia, se ele ou ela range os dentes ao longo de um longo dia de trabalho físico que não tem relação com sua própria sexualidade, ainda assim ele ou ela teve suas razões para escolher aquele trabalho, e merece ter aquela escolha respeitada.

Todos nós merecemos condições decentes de trabalho, manter nosso emprego, ser pagos sem ser criminalizados e encontrar nosso caminho dentro do patriarcado capitalista sem que nos digam que sofremos “lavagem cerebral” ou que estamos “prejudicando as mulheres”, apenas porque precisamos pagar o aluguel.

Se você realmente se importa com o empoderamento dos atores pornô, comece pela redução da pobreza. Lute para melhorar nosso Estado de bem-estar social, por uma renda básica para o cidadão, por opções mais flexíveis de trabalho para pais e mães e pessoas com deficiências, e por mensalidades menores para os estudantes. Neste país, é possível trabalhar tempo integral sem ganhar um salário digno, enquanto outros que querem trabalhar em tempo integral podem não conseguir isso. Se você quer tornar alguém mais empoderado, precisa lhe der mais opções, e não menos.

Em meus dez anos como atriz pornô, tive experiências variadas, em sua maioria boas, algumas delas más. O que eu descobri é que quanto mais controle criativo e opções eu tivesse no local de filmagem, mais empoderada eu estava. É por isso que eu passei a dirigir: para ter o controle sobre os meios de produção e para criar um novo tipo de pornografia – crítico quanto a gêneros, autêntico e comandado pelos atores. E aí está a beleza do movimento da pornografia feminista: quando atores são empoderados, os espectadores são empoderados. A pornografia produzida eticamente não apenas afirma e celebra os atores que a fazem como também produz uma experiência mais feliz para o espectador – uma pornografia que enriquece não apenas as mulheres, mas a humanidade como um todo.

Se você descarta a pornografia como um todo como inerentemente degradante, vocẽ está descartando o trabalho feito por ativistas e revolucionárias feministas fantásticas, que estão trabalhando para produzir uma pornografia que empodere tanto participantes como espectadores – uma pornografia que desafia as expectativas relacionadas a gênero e subverte os estereótipos. Pornógrafas feministas sabem que a pornografia misógina, orientada ao olhar masculino, não serve a nós como sociedade. Ao invés de reclamar contra isso, estamos aplicando nossas energias para criar algo melhor.

Isso é um movimento global, e graças à internet, ele ganhou um impulso enorme. No prêmio XBiz, a pornografia feminista agora tem sua própria categoria, o Lançamento Pornô Feminista do Ano. O Prêmio Pornô Feminista já está em seu nono ano, e em 2014, a Universidade de Toronto sediou a segunda Conferência Pornô Feminista, ao lado do lançamento do Journal of Porn Studies. Todos esses projetos focalizam uma pornografia política e radical que critica a indústria e oferece uma visão alternativa. No ano passado, quase metade dos filmes exibidos no Festival do Filme Pornô de Berlim foram dirigidos por mulheres. isso é uma mudança oceânica.

Se você não pensa que a indústria da pornografia empodera mulheres, ajude-nos a mudá-la. Olhe para as listas dos indicados nos festivais de filmes para ver o que vale a pena assistir. Compre pornografia ética diretamente dos produtores. Ao invés de dar uma olhada nas caixas e decidir que não há nada que satisfaça o seu gosto, vá lá dentro, leia os rótulos e vote com a sua carteira, como você faria com qualquer outro produto fabricado de acordo com os princípios do comércio justo.

A pornografia feminista é o futuro da pornografia. Dentro de algumas décadas, ela será a corrente principal da indústria. Você está conosco ou contra nós?


Em seu blog, Pandora Blake escreve como foi o debate no festival Mulheres do Mundo. Em outro artigo, ela também escreve mais detalhadamente sobre a questão da pornografia feminista; voltaremos ao tema quando der tempo.