Mesma classe sobre trabalho sexual, mas com uma estrutura diferente de curso
Sarah M. é mestre em Estudos Literários pela Athabasca University, do Canadá. No texto abaixo, que ela publicou em seu blog Autocannibal, , ela compara as estruturas e os currículos de dois cursos sobre trabalho sexual. Um trabalho que pode ser útil e contém bibliografia e links muito interessantes.
Eis que eu não consegui uma vaga para atuar como professora de trabalho sexual – já tem um cara com bem mais experiência que eu que dá o curso, e ainda por cima é qualificado para tanto, e que talvez um dia vá sair, mas ainda não é o caso. Acabei indo trabalhar como assistente desse cara e o curso que ele havia preparado, apesar de ser totalmente diferente do que eu pretendia fazer (Lista de leitura para um curso imaginário sobre trabalho sexual e trabalhadoras sexuais) -, e consequentemente TUDO ERRADO -, parecia que ia ser bem legal.
O que me incomodava era que, apesar de analisarmos de maneira mais ou menos parecida o trabalho sexual e o trabalho como cenário de luta de classes, e apesar de usarmos até um mesmo livro, nós produzimos cursos muito diferentes um do outro. Isso aconteceu por causa de nossos contextos disciplinares diferentes. Dan Crow, autor do programa em questão, vem do campo das ciências políticas, enquanto eu venho da área de estudos culturais e literários.
Assim, meu curso tem uma estrutura mais parecida com a de estudos culturais. Com a autorização de Dan, publiquei o programa do curso dele para demonstrar a diferença que a disciplina faz – não é uma questão somente de quem ou de como se estuda o trabalho sexual, mas de como os diferentes tipos de treinamento que recebemos em relação ao que constitui o conhecimento, e como as pessoas ficam “sabendo”, pesa sobre o que e como queremos ensinar sobre o trabalho e as pessoas que trabalham com sexo.
Outra coisa que o curso de Dan revela é um inesperado silêncio sobre dois livros fantásticos sobre trabalho sexual, mais especificamente sobre pornografia e homossexualismo. Ele recorreu a leituras de outras fontes para assegurar que esses tópicos estivessem inseridos no curso, mas fiquei surpresa porque esses eram os únicos temas em que ele realmente precisava ir além dos capítulos dos livros. Será que a pornografia parece menos interessante aos estudiosos do trabalho sexual porque ainda olhamos para ela mais nos termos das questões de representação levantadas pelas guerras dos sexos? Por que não estamos mais falando dos êxitos e dos fracassos da pornografia feminista e da homossexual, já que elas tentam abordar as relações de poder no local de trabalho?
Ouvindo os profissionais do sexo
O curso do Dan, assim como o meu, exige dos alunos que incluam escritos de profissionais do sexo nas atribuições de seus ensaios. Isso foi uma ideia que aventamos junto com outro professor, no ano passado, e Dan vinha testando em suas aulas. Ela trata de dois problemas: primeiro, o de que os alunos têm a ideia errada em relação a quem são os “especialistas” no trabalho com sexo, simplesmente lendo livros de acadêmicos. É bem mais difícil ignorar tudo o que os profissionais do sexo têm a dizer sobre suas vidas que não inclua nossas ideias preconcebidas sobre o que deveria ser feito em relação a esse tipo de trabalho quando você se propõe a integrar criticamente as ideias delas em seu argumentos.
Segundo, ele lida com o problema de alunos tomando o tempo de profissionais do sexo com suas tarefas. Pedidos por fontes personalizadas de pesquisas são coisas com as quais organizações de profissionais do sexo e ativistas lidam com regularidade. E, ao passo que é ótimo os alunos tentarem aprender algumas coisa com as pessoas que trabalham com sexo, os ensaios não resultam em nada que ajude as comunidades de profissionais do sexo e normalmente eles não têm a capacidade (e às vezes nem o desejo) de promover uma pesquisa de maneira ética (veja, por exemplo, a nota aos pesquisadores do grupo Maggie’s: The Toronto Sex Workers Action Project a respeito).
Como é observado nos dois links logo acima, o que os profissionais do sexo querem dos pesquisadores são (1) pesquisas que sejam úteis para eles, (2) opinião no formato dos estudos e dos relatórios e (3) uma reflexão crítica da relação do pesquisador com a indústria do sexo. A maioria dos estudantes de graduação não está em posição de atender a esses quesitos. Mandá-los conversar com profissionais do sexo sobre seus ensaios os coloca em uma posição apenas de receber, e não de dar e receber.
Quando direcionamos os alunos para os trabalhos publicados de profissionais do sexo, a tarefa mostra a eles como buscar a voz dos profissionais do sexo nos termos usados por eles e como reunir informações de fundo em relação ao que os profissionais do sexo já estão discutindo, ao invés de mandá-los para tarefas que só vão desperdiçar o tempo desses trabalhadores.
Nós também tínhamos a mesma (ou bem parecida) lista de tópicos, já que eu roubei a minha de programas usados pelo próprio Dan em anos anteriores. Acrescentei então tópicos adaptados do post Conversations We Should be Having About Sex Work, publicado no blog da profissional do sexo Olive Seraphim.
Para qualquer estudante ou professor que passe o olho nisso achando que talvez vá escrever mais um “O trabalho com sexo é feminista?” ou “como recusar prostitutas viciadas em drogas na região pobre onde moro”, leve em consideração qualquer um dos temas seguintes, muito mais interessantes (qualquer pessoa que um dia tenha precisado ler 20 ensaios contrapondo descriminalização a abolição vai agradecer):
1. A relação entre o trabalho com sexo e o neoliberalismo
2. Desenvolvimento das perspectivas feministas entre profissionais do sexo
3. Organização de profissionais do sexo
4. Questões de saúde e segurança para profissionais do sexo
5. O sexo profissional como forma de trabalho emocional
6. Regulamentação da profissão
7. Compare aspectos de pelo menos duas diferentes formas de prostituição
8. Relações entre dançarinas e outros trabalhadores em casas de strip-tease
9. Compare as experiências de profissionais de ambos os sexos
10. Pornografia feminista
11. A relação entre o sexo profissional e o racismo e/ou colonialismo
12. Consentimento, cultura do estupro e sexo profissional
13. Política gay e sexo profissional
14. Sexo profissional e mudanças tecnológicas
Dan também acrescentou um trabalho usando a série “Prose and Lore”, do Red Umbrella Project, que é muito legal.
O curso de Dan
Introdução:
Neste curso, vamos examinar o trabalho com sexo de uma variedade de perspectivas. O curso vai começar com uma investigação sobre várias perspectivas teóricas sobre o trabalho com sexo, incluindo perspectivas liberais, socialistas e feministas radicais. Nas primeiras semanas, vamos explorar temas como “as guerras do sexo feministas”, a economia política do trabalho com sexo e alguns dos fatores que levam as pessoas a irem trabalhar na s indústrias do sexo. Depois dessas discussões iniciais, vamos explorar as várias formas do trabalho com sexo. isso vai incluir uma discussão dos diferentes tipos de trabalho (prostituição, pornografia, stripping etc.). Mas ele vai incluir também uma discussão sobre a relevância de uma variedade de conceitos dos estudos sobre o trabalho ao estudo do trabalho com sexo. Nas semanas posteriores, vamos discutir temas como as implicações de políticas sociais para trabalhadoras do sexo, questões de saúde e segurança e organização em sindicatos.
Leituras requeridas:
Melissa Hope Ditmore, Antonia Levy and Alys Willman (eds.), Sex Work Matters: Exploring Money, Power and Intimacy in the Sex Industry, New York: Zed Books, 2010.
Emily van der Meulen, Elya M. Durisin, and Victoria Love (eds.), Selling Sex: Experience, Advocacy, and Research on Sex Work in Canada, Vancouver: UBC Press, 2013.
Prose and Lore: Memoir Stories About Sex Work, volume 1 (Fall 2012/Winter 2013) e volume 2 (Spring/Summer 2013).
Todas as outras leituras estarão disponíveis no site Sakai.
Agenda de leituras:
Parte 1: Teorias e debates-chaves
10 de janeiro: Introdução
Sex Work Matters Introduction: (Willman and Levy, “Beyond the Sex in Sex Work”).
Selling Sex Introduction: (van der Meulen, Durisin, Love).
17 de janeiro: Trabalho com sexo e trabalhadoras do sexo: uma visão geral
Sex Work Matters CH 1: (Brents and Hausbeck, “Sex Work Now”).
Selling Sex CH 2: (Redwood, “Myths and Realities of Male Sex Work”).
Selling Sex CH 4: (Fletcher, “Trans Sex Workers”).
Shawna Ferris, “‘The Lone Streetwalker’: Missing Women and Sex Work-Related News in Mainstream Canadian Media”, West Coast Line, Spring 2007, 41, 1, pp. 14-24.
24 de janeiro: Debatendo o trabalho com sexo: a perspectiva abolicionista versus a do “trabalho com sexo como trabalho”
Sex Work Matters CH 3: (Koken, “The Meaning of the ‘Whore’”).
Selling Sex CH 3: (Love, “Champagne, Strawberries and Truck-Stop Motels”).
Selling Sex CH 12: (Doe, “Are Feminists Leaving Women Behind?”).
31 de janeiro: Análise de classes e a economia política do trabalho com sexo
Sex Work Matters CH 7: (Willman, “Let’s Talk About Money”).
Sex Work Matters CH 9: (Weldon, “Show Me The Money”).
Sex Work Matters CH 10: (Petro: “Selling Sex”).
7 de fevereiro: Colonialismo e trabalho com sexo
Selling Sex CH 6: (Hunt, “Decolonizing Sex Work”).
Selling Sex CH 5: (JJ, “We Speak For Ourselves”).
Sherene H. Razack, “Gendered Racial Violence and Spatialized Justice: The Murder of Pamela George”, in Sherene H. Razack (ed.), Race, Space and the Law: Unmapping a White Settler Society, Toronto: Between the Lines, 2002, pp. 123-156.
Filme: Welsh, C. (2006). Finding Dawn. National Film Board.
Parte 2: Variedades do trabalho com sexo
14 de fevereiro: Prostituição
Sex Work Matters CH 5: (Kaye, “Sex and the Unspoken in Male Street Prostitution”).
Selling Sex CH 13: (Lewis, Shaver and Maticka-Tyndale “Going ‘round Again”).
Selling Sex CH 15: (Lowman “Crown Expert-Witness Testimony in Bedford v. Canada”).
28 de fevereiro: Trabalho em clubes de strip
Sex Work Matters CH 4: (Bradley-Engen and Hobbs, “To Love, Honor, and Strip”).
Selling Sex CH 1: (Clipperton, “Work, Sex, or Theatre?”).
7 de março: Pornografia – Parte 1: a “corrente principal” da indústria
Sharon A. Abbot, “Motivations for Pursuing a Career in Pornography”, in Ronald Weitzer (ed), Sex for Sale: Prostitution, Pornography, and the Sex Industry 2nd ed., New York: Routledge, 2010.
James D. Griffith et. al., “Pornography Actors: A Qualitative Analysis of Motivations and Dislikes”, North American Journal of Psychology, vol. 14, no. 2, 2012, pp. 245-256.
14 de março: Pornografia – Parte 2: Pornografia e diversidade: pornografia masculina gay, queer e feminista
Constance Penley, Celine Parrenas Shimizu, Mireille Miller-Young, and Tristan Taormino, “Introduction: The Politics of Producing Pleasure”, in Constance Penley, Celine Parrenas Shimizu, Mireille Miller-Young, and Tristan Taormino (eds.), The Feminist Porn Book: The Politics of Producing Pleasure, New York: The Feminist Press at the City University of New York, 2013, pp. 9-20.
Jeffrey Escoffier, “Pornstar/Stripper/Escort: Economic and Sexual Dynamics in a Sex Work Career”, Journal of Homosexuality, vol. 53, no. 1/2, 2007, pp. 173-200.
Jeffrey Escoffier, “Gay for Pay: Straight Men and the Making of Gay Pornography”, Qualitative Sociology, vol. 26, no. 4, Winter 2003, pp. 531-555.
Parte 3: Regulamentando o trabalho com sexo
21 de março: Políticas públicas e a regulamentação do trabalho com sexo e das trabalhadoras do sexo
Selling Sex CH 14: (Goodyear and Auger, “Regulating Women’s Sexuality”).
Selling Sex CH 19: (Bruckert and Hannem, “To Serve and Protect?”).
Selling Sex CH 20: (van der Meulen and Valverde, “Beyond the Criminal Code”).
28 de março: Saúde e segurança
Selling Sex CH 11: (MacDonald, Jeffrey, Martin and Ross, “Stepping All Over the Stones: Negotiating Feminism and Harm Reduction in Halifax”).
Tamara O’Doherty, “Criminalization and Off-Street Sex Work in Canada”, Canadian Journal of Criminology and Criminal Justice, April 2011, pp. 217-245.
Elizabeth Comack and Maya Seshia, “Bad Dates and Street Hassles: Violence in the Winnipeg Street Sex Trade”, Canadian Journal of Criminology and Criminal Justice, April 2010, Vol. 52, Issue 2, pp. 203-214.
4 de abril: a organização das trabalhadoras do sexo
Sex Work Matters CH 13: (Garofalo, “Sex Workers’ Rights Activism in Europe”).
Selling Sex CH 8: (Clamen, Gillies and Salah, “Working for Change”).
Selling Sex CH 9: (Arthur, Davis and Shannon, “Overcoming Challenges”).
Selling Sex CH 10: (Crago and Clamen, “The Sex Workers Movement in Montreal”).
Tradução de Renato Martins e Ricardo Gozzi. Como sempre, qualquer cagada é responsabilidade dos tradutores.