EUA: strippers conquistam Carta de Direitos
Em 1º de abril, Jay Inslee, o governador do estado de Washington, na costa oeste dos EUA, sancionou a primeira lei de proteção a dançarinas de strip do país. O projeto de lei SB 6105, conhecido como “Carta de Direitos das Strippers”, havia passado no Senado estadual de Washington com 29 votos a favor e 20 contra, culminando cinco anos de luta das organizações de trabalhadoras sexuais do estado.
“Strippers são trabalhadoras, e elas deveriam ter os mesmos direitos e proteções de qualquer outra categoria de trabalhadoras”, disse a senadora Rebecca Saldaña (Partido Democrata), que patrocinou o projeto de lei no Legislativo.
Andrea, uma stripper de 24 anos que acaba de tirar o mestrado em biblioteconomia em uma universidade de Seattle, contou à Associated Press que sofreu abusos sexuais e foi estapeada por um cliente no local de trabalho, e ninguém apareceu para socorrê-la. “Nós não deveríamos sofrer abusos verbais só por existir e fazer nosso trabalho” afirmou . Ela relata que evita atuar em uma das casas quando um determinado DJ está lá, porque ele abusa das trabalhadoras que não lhe dão gorjetas “suficientes”.
A dançarina Madison Zack-Wu, dirigente da organização Strippers Are Workers [SAW, ou Strippers São Trabalhadoras], disse ao jornal In These Times que é “difícil de acreditar” que a lei passou desta vez. “No começo do ano legislativo, eu estava convencida de que tínhamos apenas 5% de chance de que a lei fosse aprovada. Nem tenho como dizer como isso é inacreditável e surreal.” Segundo a revista Stranger, Zack-Wu também disse que a lei só foi aprovada “porque as dançarinas começaram a se organizar nos clubes seis anos atrás”.
Em janeiro deste ano, depois de a polícia de Seattle fazer operações contra dois bares gay na cidade e multar clientes por estarem vestindo apenas sungas, a comunidade LGBTQ se uniu às ativistas da SAW. Em carta aberta aos legisladores, organizações das duas comunidades disseram que “assim como os clubes de strip, locais queer, shows burlescos e drag e eventos sexopositivos estão submetidos a regulamentações importunas sobre roupas, a natureza explícita dos espetáculos e a presença de bebidas alcoólicas. As leis atuais de Washington operam sob a premissa falsa de que o entretenimento e a expressão da sexualidade devem ser policiadas”.
Em Washington, o Legislativo estadual é bicameral (Câmara e Senado). Em 2023, um projeto de lei semelhante, o SB 5614, que havia passado com facilidade no Senado estadual, foi barrado na Câmara por causa da oposição da ala conservadora do Partido Democrata a um parágrafo que legalizava a venda de bebidas alcoólicas nas casas de strip.
Washington era o único estado norte-americano em que a venda de bebidas nos clubes era proibida. Zack-Wu explica que essa proibição fazia com que o trabalho das strippers fosse praticamente a única fonte de renda das casas, e por isso elas exploravam as trabalhadoras de forma muito mais predatória. Agora, isso deve mudar.
“É uma vitória monumental, não só para as strippers de Washington, mas para todo o setor, porque a nova lei não só assegura direitos e educação sobre eles nos locais de trabalho e limita as tarifas punitivas e multas que os clubes cobram das dançarinas para que elas possam trabalhar, como também estabelece agência e dignidade no próprio texto da lei. Por exemplo, ao desafiar conceitos arcaicos como ‘conduta lasciva’, que pesavam como ameaças para clubes de strip e locais LGBTQIA+, a SB6105 permite que as trabalhadoras trabalhem e definam suas performances, recebam gorjetas sem o medo de criminalização, punições e multas. É um passo lindo na direção da descriminalização e uma grande mostra de solidariedade com as strippers”, disse a trabalhadora sexual Antonia Crane, uma das fundadoras da Strippers United.
Segundo a SAW, a lei aprovada estabelece um teto para a taxa que as casas podem cobrar das trabalhadoras, que são autônomas, de US$ 150 por turno ou de 30% do que uma dançarina fatura em um turno de trabalho. A prática de cobrança de “aluguel atrasado” pelos clubes, que deixava as trabalhadoras eternamente em dívida, está banida. Funcionários das casas deverão passar por programas de treinamento sobre assédio sexual e cada clube terá que ter pelo menos um segurança para proteger as trabalhadoras, além de “botões de emergência” nas salas privadas. A entrada dos vestiário deverá estar protegida com fechadura eletrônica com código. E as casas deverão manter “listas negras” de clientes incômodos por pelo menos cinco anos.
“A Carta dos Direitos das Strippers é exatamente o que a frase ‘trabalho sexual é trabalho’ quer dizer”, comentou em entrevista ao Truthout a dominatrix Olivia Snow, pesquisadora na Universidade da Califórnia em Los Angeles. “Não importa se você concorda ou não que o trabalho sexual é ‘trabalho de verdade’, nós merecemos a liberdade de trabalhar sem a ameaça de operações da polícia ou de exploração pelos donos dos clubes. Espero que os direitos das trabalhadoras sexuais ganhem impulso e se expandam, de modo a incluir setores mais marginalizados e criminalizados da indústria do sexo.”