Cultura

Documentário “Puta Retrato” estreia no Canal Brasil

Estreou em 2 de dezembro no Canal Brasil a série de documentários “Puta Retrato – Trabalhadoras Sexuais”, dirigida por Claudia Priscilla e Kiko Goifman. A série reúne reportagens e depoimentos de várias trabalhadoras sexuais cis e trans de diferentes gerações e regiões do Brasil, com destaque para a veterana Lourdes Barreto, que recentemente entrou para a lista das “100 mulheres mais influentes do mundo em 2024”, da rede britânica BBC.

O primeiro episódio, “Entre o Beijo e a Rua”, está centrado no Jardim Itatinga, bairro de Campinas (SP) dedicado à prostituição. Quem conduz o espectador pelas ruas, bordéis e boates do bairro é a trabalhadora sexual Betânia Santos, líder da associação de prostitutas Mulheres Guerreiras e ativista da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Ela também diz ter orgulho da profissão e reflete sobre sua própria carreira e sobre as dificuldades de criar filhos.

Betânia Santos

Outro destaque do episódio é a travesti Amara Moira, doutora em teoria literária pela Unicamp e autora dos livros “E Se Eu Fosse Puta”, “Vidas Trans e a Coragem de Existir” e “Neca + 20 Poemas Travessos”. Ela conversa com a gaúcha Monique Prada, ativista, autora do livro “Putafeminista” e editora do Mundo Invisível, sobre os caminhos que a levaram à atividade política em defesa da categoria.

Amara Moira conta que passou a frequentar o Itatinga como ativista do movimento pelos direitos da comunidade trans e a partir de determinado momento passou a atuar como trabalhadora sexual. Monique fez uma trajetória contrácia: trabalhava no escritório de uma agência de acompanhantes em Porto Alegre, passou a atender clientes e só aí é que passou a se relacionar com o movimento feminista e se assumiu como ativista.

Betânia e outras trabalhadoras do Jardim Itatinga, como Nathy Sininho, Iracema. Carioca e Flávia, também entram na velha discussão sobre a atitude da profissional do sexo em relação aos clientes: beijar na boca ou não? O beijo tem um significado simbólico importante na cultura ocidental; para as trabalhadoras sexuais, ele funciona como uma de várias fronteiras entre a vida profissional e a vida pessoal – uma fronteira que algumas permitem ser atravessada, outras não, de acordo com a história pessoal de cada uma.

O foco do segundo episódio, “Entre o Rio e o Ouro”, é Belém do Pará, com destaque para a paraibana Lourdes Barreto, que vive há muitos anos na cidade. Seu depoimento dá conta de como o trabalho sexual acompanha os altos e baixos da prosperidade econômica de uma cidade como Belém. Lourdes, autora da autobiografia “Lourdes Barreto: Puta Biografia”, conta sobre várias décadas de atividade profissional, inclusive no garimpo de Serra Pelada, nos anos 1980. Ela e a colega Cinderela contam um episódio bizarro: Cinderela havia recebido algumas pepitas de ouro de um cliente garimpeiro e as enterrou para buscar depois. Só que ela se esqueceu do lugar exato. A história “vazou” e muitos aventureiros tentaram encontrar a lata com as pepitas; o dono do terreno chegou a contratar trabalhadores para escavar a área toda e até hoje não se sabe se o ouro de Cinderela foi encontrado.

Lourdes também fala sobre sua atividade política pioneira ao lado de Gabriela Leite (1951-2013) na criação da Rede Brasileira de Prostitutas e pela luta por políticas públicas, inclusive de combate ao HIV, e entra na discussão sobre uso, pelo movimento, das palavras “puta”, “prostituta” ou “trabalhadora sexual”..

O episódio também traz depoimentos da ativista travesti Jéssica Marajoara e de outras trabalhadoras que atuam em Belém, como Maria Elias e Ana Lívia. Maria Elias conta como revelou a seus filhos que é trabalhadora sexual e nota que o movimento pelos direitos das prostitutas carece de representação política; sua meta é um dia ser eleita prefeita de sua cidade natal.

Krystal Fokatrua

O terceiro episódio, “Entre a Rede e a Areia”, desvenda alguns aspectos do trabalho sexual em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em São Paulo, Krystal Fokatrua fala sobre sua atividade como bailarina, artesã, DJ, trabalhadora sexual e fundadora do grupo Fokatrua, que cuida de mulheres trans e travestis em situação de vulnerabilidade. Duas dominatrixes falam sobre sua atividade no nicho BDSM: Lady Brigitte, formada em teatro e aluna de mestrado na USP, e Rayssa Garcia. Lady Brigitte, que é ativista da Anprosex (Associação Nacional das Profissionais do Sexo), discute o fato de muitas trabalhadoras encararem suas colegas como concorrentes, o que seria um obstáculo à evolução do movimento.

No Rio, o foco é Copacabana. Temos os depoimentos de Tayná Cavalcanti, ativista do Coletivo Puta Davida e fundadora da rede de apoio Coletivo das Divas, de Vivi Castelo, que coordena uma rede de autoajuda com mais de 500 trabalhadoras sexuais, e da estudante de direito Aimi Kokoro, que conta que decidiu ser trabalhadora sexual depois de ver o filme Bruna Surfistinha. Aimi também fala sobre como foi a reação de seus colegas de universidade quando ela revelou que é trabalhadora sexual.

Uma conversa entre Tayná e a travesti Babi sobre o trabalho em Copacabana, o relacionamento com clientes e a questão da descriminalização da profissão ganha peso nos créditos finais do documentário: eles informam que ele é dedicado à memória de Babi – a ativista trans, estudante de mestrado em ciências sociais na USP e militante do PT Bárbara Vergetti Martins de Souza, cujo corpo, com sinais de estrangulamento, foi encontrado na zona norte do Rio em 1° de outubro deste ano.

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