As Marias Boa da Ribeira e das Rocas
Reportagem: Ricardo Araújo para Tribuna do Norte. Fotografia de Alberto Leandro.
Sugestão da Diana Soares, da Articulação Norte-Nordeste de Profissionais do Sexo
** Nota de Monique: Nem eu nem Diana gostamos do tom dado a esta reportagem, a estou publicando aqui por que dá um bom panorama do meretrício em Natal mas o tom usado contraria todos os recentes manuais sobre como a imprensa deve tratar a questão do trabalho sexual através do mundo – já é hora de respeitá-los ou pararemos de responder a entrevistas e abrir nossas portas para profissionais que, ao invés de ajudar em nossas causas, acabam atrapalhando. Entram como quem entra num zoológico, e não o fazem de graça – os veículos pagam por estas reportagens cretinas. Percebam inclusive que o tom que dá à ideia de homens cobrarem por sexo é bem diferente do que usa para tratar sobre as mulheres trabalhadoras sexuais.
As luzes vermelhas posicionadas acima das portas das casas deram lugar a um colorido desbotado pelo tempo. As edificações simples dos tradicionais bairros da Ribeira e Rocas não levantariam suspeitas se não fossem o entra e sai de homens, as mesas de bar e a música brega tocada nas arcaicas radiolas alimentadas por moedas. A sujeira das ruas e a fedentina da lama que escorre pelo Canto do Mangue não atrai turistas ou homens ricos, diferente do período áureo dos bairros durante a Segunda Guerra Mundial e a presença americana em Natal. Mesmo assim, as casas de prostituição da zona portuária sobrevivem e ainda atraem mulheres. Umas são jovens, algumas de idade avançada, há as bonitas, outras nem tanto. Comum a todas: o sofrimento. Histórias de vidas dedicadas ao sexo por dinheiro.
Verônica tem seis filhos e trabalha em uma casa nas Rocas Nos dias de pouco movimento, por até R$ 30, Verônica (nome fictício), de 38 anos, se vende. Nas datas de pagamentos de aposentadorias e pensões aos idosos a realidade é diferente. “Início de mês é uma festa. Tem cliente que paga até R$ 100 por programa. Mas nossa alegria dura pouco. Depois temos que cobrar bem menos”, dizia a mulher que criou seis filhos com o dinheiro que ganhou ao longo da vida se prostituindo. Na “batalha” desde os 17 anos, Verônica já dedicou mais da metade da sua vida à comercialização do próprio corpo. Como um objeto à espera de clientes, ela se exibe, em vestidos curtos e de decotes ousados, enquanto fuma um cigarro na porta de uma decadente casa de tolerância das Rocas. “Pagando, eu faço mesmo. Só não faço de graça. Não fui influenciada por ninguém. Foi o destino”, relatou. Além de se prostituir, trabalhou como garçonete. Sobre a prostituição, defende-se dizendo que as oportunidades nem sempre são as melhores e o mercado de trabalho não oferece salários justos. O montante que consegue levantar por semana – entre R$ 200 e R$ 300 – é suficiente para manter a casa onde mora com alguns dos filhos e netos. “Minha família sabe de tudo e me aceita”, disse. O dinheiro, segundo ela, é um dos motivos que a faz ser respeitada. O que diz aos filhos quando sai para trabalhar, Verônica resume sua resposta numa frase curta: “Mainha vai para a batalha e fiquem com Deus”. Sem detalhar, entretanto, que batalha é esta. Quem são os gladiadores ou as vítimas. As casas de prostituição das Rocas e Ribeira, disponibilizam quartos a um custo de R$ 10 por hora. Lá, as prostitutas cumprem sua jornada de trabalho num ambiente com o mínimo de conforto. “Eu sinto nojo ao final de um programa. Não queria fazer aquilo. Mas é o jeito”, lamenta. Algumas mulheres moram na mesma casa onde trabalham.
Na casa vizinha a que Verônica trabalha, outra mulher contempla o vai e vem dos ônibus na Avenida Duque de Caxias. Entre um gole de cerveja e um trago no cigarro, Joana (nome fictício), 39 anos, aguardava a chegada de clientes. Enfermeira formada numa universidade carioca, Joana teve dinheiro, estabilidade e trabalhou nos maiores hospitais de Natal. Se prostitui há cerca de um ano, após ter entrado em depressão e ter se entregado às drogas. “Escolhi a prostituição e hoje me falta coragem e atitude para voltar à exercer a profissão que eu dediquei minha vida inteira”, disse emocionada. Por um programa, dependendo da necessidade, ela chega a cobrar R$ 20. Filha de militar e mãe de três filhos, ela conta que nenhum deles sabe da sua atual ocupação. A desculpa pela escolha da prostituição veio com a promessa de amigas de que o negócio é rentável. Em dois dias, Joana chega a ganhar quase R$ 200. Em contrapartida, não esconde a angústia quando questionada sobre retomar a carreira de enfermeira. “Já ajudei a salvar tantas vidas e há de chegar o dia em que eu salvarei a minha própria. Basta que eu não me esconda mais dentro de mim mesma”, lamentou.
Boates começam a ganhar espaço
De segunda a sábado, na Ribeira, o folder de um bar oferece “show de strip-tease com garotas lindas”. Por R$ 100, o cliente poderá tê-las por até duas horas. Antes disso, porém, é preciso pagar R$ 20 ao estabelecimento para que a garota possa sair. O local é melhor estruturado do que as casas das Rocas. Ar-condicionado, jogos de luz e um pub abastecido de bebidas nacionais e importadas são um convite ao público masculino. É possível encontrar meninas de várias cidades potiguares e até mesmo de estados vizinhos. Rosa (nome fictício) é uma delas. Natural da Paraíba, ela vem a Natal regularmente para se prostituir. Aos pais, diz que vem trabalhar como representante comercial. O início foi estimulado por uma amiga com experiência de mercado em Natal. “Ela me disse que aqui era bom. Eu decidi e vim. Não me arrependo. Penso no presente. Nem no passado, nem no futuro”, disse a jovem de 26 anos. Por dia, ela afirmou fazer até quatro programas. Do outro lado da cidade, na zona Sul, o custo por algumas horas de prazer comprado chega a ser dez vezes maior do que nas Rocas. A beleza das mulheres é um dos pontos que contribui para a superávit do valor. Por não menos de R$ 350 é possível sair com Carolina Miranda, 19 anos. Conhecidas como “prostitutas de luxo”, tem como público-alvo executivos, empresários e turistas. Para recebê-los, os donos de estabelecimentos investem alto em conforto e segurança. “No verão, eu chego a fazer uma média de R$ 3 mil em programas por mês”, comentou. Carolina divide hoje um apartamento com a amiga que a apresentou ao primeiro cliente. Ela disse que decidiu “trabalhar nesta área devido ao número de turistas que circulam em Natal”. Em pelo menos três sites diferentes é possível encontrar anúncios de Carolina Miranda em fotos sensuais. Pela hospedagem nos portais, chega a desembolsar quase R$ 1 mil por mês. “O que eu faço, minha família e meu namorado nem desconfiam”, diz.
A prostituta potiguar que virou mito morava no Centro
A Ribeira viveu um apogeu cultural, econômico e social até final dos anos 70. A história da prostituição no bairro é tão antiga quanto sua fundação. Seu período áureo ocorreu entre as décadas de 40 e 70. No final de 1939, os americanos, em guerra contra alemães, italianos e japoneses, escolheram Natal como base militar por ser a cidade mais próxima da Europa e África. A Ribeira vivia, àquela época, o american way of life. Os americanos trouxeram para Natal, além do aparato bélico, o primeiro par de calças jeans, os chicletes, a moda dos coturnos utilizados como sapatos de passeio, as ruas reconhecidas por números ao invés de nomes. Quase ao mesmo tempo, Maria Oliveira Barros, paraibana de nascimento, escolhia a capital potiguar como moradia. Após trabalhar como babá e empregada doméstica, cuidou do “prazer” de políticos, militares americanos e brasileiros e de alguns potiguares mais abastados. Todo o zelo, porém, em troca de dinheiro. Se fosse em dólar, melhor ainda. Nascia Maria Boa, fundadora do mais famoso cabaré que já existiu em Natal. Um mito, entre as prostitutas. Uma saudade, entre os frequentadores da casa de tolerância que funcionou até 1997, ano da morte de Maria Boa. “Ela sempre fez parte do imaginário masculino potiguar. Até duvidávamos se ela existia de verdade”, relatou o jornalista Isaac Ribeiro, que visitou a “casa” de Maria Boa na década de 80.. O respeito e admiração dos americanos pela cortesã fez com que seu nome fosse pintado num caça B-52. Até hoje, o mito permanece indelével na mente de quem a conheceu e dos poucos que desfrutaram seus serviços.
Pela lei, meretrizes não cometem crime
A coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminal, Fernanda Arenhart, explicou que a prostituição não é crime. Já a prática de aliciamento, agenciamento de garotas e garotos de programa e o favorecimento da prostituição, estes sim são crimes previstos em lei. “Do ponto de vista ético, a venda do corpo é ultrajante, indigno. Além disso, coloca as pessoas numa situação de risco incomensurável”, destacou a promotora.
Para os homens, sexo é um negócio
A prática de vender o corpo por dinheiro, deixou de ser uma atividade exclusivamente feminina em Natal. Cada vez mais homens aderem à possibilidade de conseguir, em pouco tempo, o dinheiro que levariam meses trabalhando formalmente para juntar. O perfil dos “boys”, como são conhecidos nas saunas gays, é praticamente o mesmo: corpos sarados, depilados e, na maioria, tatuados. Aos 24 anos, Breno (nome fictício), é massagista – termo utilizado como sinônimo de garoto de programa – de uma sauna gay da zona Leste da cidade. “Tudo começou quando, aos 15 anos, eu comecei um caso com uma mulher mais velha que me dava tudo. Quando ela me deixou, decidi ser garoto de programa”, relatou. Segundo Breno, o desejo de ter roupas de marca e dinheiro no bolso, o fizeram optar pela profissão. Hoje, além dos programas, ele trabalha como vigilante. “A gente cria uma dependência financeira e até psicológica. O dinheiro que ganho aqui (na sauna) é pro meu luxo, pro meu prazer”, explicou. O doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Alípio de Sousa Filho, afirmou que a prostituição masculina é tão antiga quanto à feminina. “Os primeiros transcritos relatam casos de homem fazendo sexo por dinheiro na Antiguidade Clássica”, explicou. Para ele, a prostituição é quase uma derivação ou reflexo da pobreza. Alípio comentou que a discussão em torno da identidade sexual destes garotos é irrelevante. “Esses meninos entendem o sexo como um negócio. Por isso, pouco importa para quem eles se vendem: se é homem ou mulher”, destacou o sociólogo.
Fonte: Tribuna do Norte.