Amara em mim – E se eu fosse puta?
Por Monique Prada
E então, finalmente, terminei de ler o livro de estreia de Amara Moira, E se eu fosse puta? – lançado em agosto pela editora Hoo.
Em meio a um voo bastante turbulento – e eu, morrendo de inveja do parceiro da poltrona ao lado, imerso em sono tão profundo que chegava a roncar. Voo quase tão turbulento quanto tem sido minha vida desde que entrei no putativismo. Amara me fazendo companhia, e eu mergulhando em suas histórias como a aeronave mergulhava em nuvens carregadas, para em seguida voltar a navegar firme e tranquilamente.
Confesso que tive medo – e por isso menti: “Sim, sim, Amara! Querida! Devorei o livro em uma noite apenas.” Mas não, mais de um mês foi tempo necessário pra que eu tivesse coragem de abri-lo novamente e mergulhar em histórias tão íntimas dela e, ao mesmo tempo, tão conhecidas de todas nós.
Diferente de Amara, eu nunca procurei sequer uma nesga de alma ou humanidade nos meus amantes per hour – me atraía acima de tudo o sexo sem nomes, sem notar particularidades, sem esse toque tão delicado e profundo de que ela é capaz. A mim sempre atraiu vê-los do mesmo modo que me parecia que viam a mim: uma distância prudente que me levava a um gozo intenso e sem amarras, muitas vezes sem tomar conhecimento real de suas presenças e muito menos respeitar-lhes as vontades – durante o sexo eram isso, eram meus objetos de prazer e desejo. Ainda que de uns e outros eu tenha me tornado íntima, ainda assim… isso pra mim sempre foi algo a ser evitado ou que no mínimo posso dizer que não me interessava. A foda sem rosto, sem história, sem antes ou depois. Muito por isso talvez a ideia de relatar esses momentos em livro jamais me atraiu: batia a porta do carro, ou do flat, e lá ficavam eles, para sempre presos num momento passado.
Amara e seus relatos me trazem uma outra perspectiva – nada fantasiosa, dolorosamente realista. Lá estão as fraquezas, a mesquinhez, os machismos, as misérias. Carinhos e desejos à meia luz, o cliente pagando mixaria negociada e a Moira roubando-lhe a alma a cada beijo ou tímido fio-terra. As dores e delícias da prostituição precária num dos tantos redutos dedicados à atividade tão pouco nobre, ela pouco ou nada esconde da leitora atenta. Do desconforto dessa leitura por quem a conhece e lhe tem carinho – armadilha, lembro, na qual não raro eu caía, logo eu, que conheço o meio e seu fascínio, fascínio que, para além do dinheiro, muitas vezes nos levava a correr determinados riscos (e não que não fossem calculados esses riscos – mas quem pode garantir que nada saia do controle?)
Viajando em Amara, meio do livro me vi viajando em Monique – umas tantas portinhas se abrindo, uns tantos ‘passados’ me trazendo à realidade: também tenho comigo pedaços daquelas almas. Fecho minhas portinhas: esses retalhos de almas que sem intenção tomei não pretendo dividir. Ao menos não de momento.
Amara toca e me toca. Eu sempre sofro um pouco por não saber expressar exato o quanto tê-la em minha vida me faz bem e me faz forte. Tenho isso como um tipo de amor – dos sentimentos mais doces que guardo comigo, esse amor tão carinhoso por Amara e alguma vaga certeza de que a vida ainda valerá a pena ter sido vivida.