debate

3. Sexismo e trabalho sexual: uma resposta a Gareth e Xanthe

Jess EdwardsInternational Socialism, número 128 -15 de outubro de 2010

A edição anterior deste periódico publicou um artigo argumentando que o trabalho sexual é fundamentalmente o mesmo que outras formas de trabalho assalariado na sociedade capitalista.1Dale e Rose, 2010. Eles argumentam que a principal resposta dos socialistas revolucionários ao crescimento da indústria do sexo deve ser organizar os trabalhadores do sexo em seus locais de trabalho e lutar pela sindicalização. Eles apontam para o trabalho da International Union of Sex Workers (IUSW), agora filiada à central sindical GMB na Grã-Bretanha.

Dale e Rose parecem ser, na melhor das hipóteses, ambíguos em sua oposição à indústria do sexo. Eles são levados a essa posição porque seu artigo reduz a questão do trabalho sexual à da exploração econômica. Seus argumentos deturpam e não entendem o papel da opressão das mulheres e como isso se relaciona ao trabalho sexual.

O artigo original de Jane Pritchard,2Pritchard, 2010. ao qual Dale e Rose estavam respondendo, argumentava corretamente que os marxistas têm uma posição única em um debate que é amplamente polarizado entre feministas abolicionistas (que querem ver o trabalho sexual abolido por lei) e feministas que defendem a sindicalização de trabalhadoras sexuais. Buscamos combinar uma luta contra uma indústria opressiva com o apoio aos direitos das pessoas que trabalham nela.

Opressão e exploração

Ao longo do artigo, Dale e Rose enfatizam a economia do trabalho sexual em detrimento de seus aspectos políticos. Trabalhadoras sexuais, argumentam, vendem sua força de trabalho da mesma forma que outras trabalhadoras na sociedade capitalista. Elas citam uma trabalhadora sexual que descreve seu trabalho como produtor de “orgasmos em linha de montagem” e como sendo “trabalho manual repetitivo”.3Dale e Rose, 2010. Pense um minuto sobre a realidade de ser o produtor de “orgasmos em linha de montagem”. Poderia esse “trabalho manual repetitivo” ser a razão pela qual 68% das prostitutas sofrem de transtorno de estresse pós-traumático?4Citado em Banyard, 2010, pág. 141.

Limitar o debate ao processo de trabalho ignora o ponto central: que o trabalho sexual é um produto da opressão das mulheres, cujas raízes estão localizadas na ascensão da família dentro da sociedade de classes. A necessidade do capitalismo de que a força de trabalho seja reproduzida privadamente, em casa, e a ideologia correspondente que perpetua a família como norma dão origem a relacionamentos alienados entre homens e mulheres, onde o sexo e a sexualidade são distorcidos e degradados. É por isso que a revolucionária russa Alexandra Kollontai descreveu a prostituição como a “sombra” da família.5Kollontai, 2018 [1921].

Dale e Rose tendem a apresentar a opressão das mulheres como uma força externa que meramente condiciona como o trabalho ocorre na indústria do sexo. Por exemplo, eles argumentam que a opressão é um fator que enfraquece as condições em que o trabalho sexual ocorre.6Dale e Rose, 2010. Eles também dizem que “a indústria do sexo está abertamente envolvida na opressão das mulheres, assim como as indústrias da publicidade e da moda. Por outro lado, a opressão das mulheres está envolvida no trabalho sexual”.7Dale e Rose, 2010. Mas a opressão não é separada e externa ao trabalho sexual. É parte da explicação para o trabalho sexual. A indústria reforça ainda mais o sexismo na sociedade em geral, ajudando a moldar como homens e mulheres veem a si mesmos e uns aos outros. É por isso que não podemos simplesmente ter uma resposta sindical. A “cultura obscena” da indústria do sexo moderna afeta todas as mulheres e homens na sociedade.8Levy, 2005. Diante de um aumento do sexismo, certamente devemos ter mais a dizer sobre o trabalho sexual do que “organizar as trabalhadoras do sexo”.

O reducionismo de Dale e Rose os leva a comparar o trabalho sexual a outras formas de emprego nas quais um grande número de mulheres está envolvido, como enfermagem e trabalho social. Eles argumentam que o trabalho sexual “pertence a uma categoria de trabalho de serviços de alto contato e interação pessoal, que é associado ao cuidado e/ou desejo e, como tal, é codificado como trabalho ‘naturalmente’ feminino e tido em baixa consideração”.9Dale e Rose, 2010.

Se esse fosse o caso, por que alguém da esquerda se oporia à indústria do sexo e não se oporia também ao NHS [o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido]? Os empregos no serviço de saúde são moldados pela opressão das mulheres — eles são vistos como profissões de cuidado que são mais adequadas às mulheres, e a enfermagem em particular é mal paga como resultado. Mas essas áreas de trabalho não são em si mesmas produtos da opressão das mulheres da maneira que o trabalho sexual é. Uma sociedade socialista ainda envolveria assistência médica. Não envolveria trabalho sexual.

Equacionar o trabalho sexual com o trabalho de cuidado sugere uma conclusão lógica adicional: que a indústria do sexo desempenha uma função socialmente útil. Por exemplo, a organização TLC Trust10O IUSW já não fornece um link em seu site. O TLC Trust é uma organização sem fins lucrativos que exibe anúncios de fornecedores selecionados de serviços sexuais para pessoas com deficiências. argumenta em seu site: “Trabalhadores sexuais não apenas trazem alegria ao mundo, mas também resgatam pessoas com deficiência da angústia pessoal, do purgatório sexual e da privação de toque. (Quer se registrar como um trabalhador sexual? Basta ir para a seção Register do site.)”11Para se registrar no TLC Trust,o acesso está aqui.

Mas Rose e Dale parecem ir ainda mais longe do que ver o trabalho sexual como socialmente útil. Eles sugerem que o trabalho sexual representa um desafio à instituição da família. Eles afirmam que a prostituição, em vez de ser o outro lado da família, na verdade representa “sua negação”12Dale e Rose, 2010. Eles citam Sophie Day, que argumenta que a venda de sexo “confunde a separação entre uma economia pública e um reino privado de relacionamentos socialmente significativos. Nessa visão, o reino do mercado é contaminado por mulheres que vivem suas vidas em público, e o reino do lar é igualmente ameaçado pela introdução do dinheiro e do pensamento econômico”.13Citado em Dale e Rose, 2010.

Bordel de Lou Graham em Seattle, anos 1890

Dale e Rose sustentam essa posição — que o trabalho sexual não é apenas uma ameaça à família, mas também a algumas das estruturas fundamentais da sociedade capitalista? Se sim, então presumivelmente os socialistas deveriam encorajar as pessoas a entrar na indústria do sexo. Na verdade, é exatamente isso que a IUSW faz. Seu site anuncia a indústria do sexo, dando conselhos para aqueles que desejam começar a trabalhar como profissionais do sexo e anunciando os “melhores” provedores. A IUSW chega ao ponto de ter os chefes desses “bons provedores” como principais porta-vozes do sindicato. Douglas Fox, proprietário da Christony Companions Escort Agency, uma das maiores agências de acompanhantes da Grã-Bretanha, também é uma figura importante na IUSW. O site de sua agência carrega orgulhosamente o logotipo da GMB.14Veja o artigo de Cath Elliott “The great IUSW con”, publicado em 9 de janeiro de 2009 em seu site Too Much To Say For Myself. [N. do T.: Aparentemente, essa agência já não existe.]

É aqui que uma resposta puramente sindical à indústria do sexo levou: um grande sindicato nacional anunciando uma empresa que aluga mulheres por hora. Nenhum socialista deve apoiar isso.

O trabalho sexual é prejudicial

Ao discutir a prostituição, Dale e Rose argumentam que “a identidade central de um indivíduo — seja ela qual for — pode muito bem incluir sua sexualidade, mas certamente não pode ser ampla o suficiente para incluir todos os atos sexuais em que se envolve”. Essa abordagem corre o risco de cair em uma concepção pós-moderna de escolha e escolha de identidade. Eles parecem argumentar que a maneira como “percebemos” a nós mesmos é a chave.

Eles escrevem que algumas trabalhadoras sexuais “sentem como se estivessem vendendo a si mesmas”, enquanto outras simplesmente veem isso como venda de serviços.15Dale e Rose, 2010. A alegação deles é que se algumas trabalhadoras sexuais não se sentem oprimidas, então elas não são? Se uma trabalhadora diz que “não se sente explorada” no trabalho, isso significa que ela não é explorada? Nossa análise do trabalho sexual não deve se basear em como algumas trabalhadoras sexuais veem seu trabalho. Ela deve ser baseada em análises concretas de relações sociais e econômicas.

Dale e Rose escrevem que as prostitutas são capazes de “implantar técnicas que lhes permitem viver em dois corpos”.16Dale e Rose, 2010. Eles apresentam isso como um argumento de porque a prostituição não é prejudicial para as pessoas que trabalham como prostitutas. Mas a “divisão do eu”, como elas dizem, deve certamente ser uma forma horrenda de alienação, imposta à trabalhadora sexual por meio da degradação envolvida em seu trabalho, e não uma estratégia de enfrentamento positiva que protege o “ser central” da trabalhadora sexual de danos.

Eles escrevem sobre como os homens que usam prostitutas estão frequentemente “longe de ser dominadores” e citam uma trabalhadora do sexo que diz: “Os clientes podem ser tristes e inadequados, mas na maioria das vezes são gratos e respeitosos.” Eles também citam uma pesquisa que descobriu que a maioria dos clientes de trabalhadoras do sexo não as deprecia. Mas se o trabalho sexual prejudica as trabalhadoras do sexo não é uma questão de como alguns de seus clientes as veem. Um homem que paga uma mulher por sexo recebe as coisas pelas quais paga da mulher. O desejo sexual da própria mulher não é levado em consideração, porque ela está lá apenas para prestar um serviço. É isso que governa o relacionamento entre cliente e trabalhadora do sexo, não o nível de polidez exercido pelo primeiro. Além disso, não é apenas para a trabalhadora do sexo individual que esse relacionamento é prejudicial; a venda do sexo como uma mercadoria alimenta a objetificação geral das mulheres na sociedade em geral.

Como lutamos hoje

Os argumentos de Dale e Rose têm implicações sérias para como lutamos pela libertação hoje. Se um clube de dança erótica for aberto, os socialistas devem se opor a ele por motivos antissexistas ou vê-lo como uma grande oportunidade para uma campanha de sindicalização? É certo ou errado que o Job Centre Plus anuncie empregos de pole dancing?

Uma abordagem política, em vez de sindical, veria os socialistas se unindo a ativistas contra a opressão das mulheres que querem impedir o crescimento da Spearmint Rhino. Uma abordagem política seria dizer que a dança do poste nunca deveria ser vista como um emprego a ser anunciado para jovens mulheres desempregadas.

Friedrich Engels

Ao tentar evitar a normalização da indústria do sexo, devemos, é claro, ter cuidado para não cair atrás dos moralistas de direita. É absolutamente correto que o trabalho sexual não seja criminalizado, pois isso só torna mais perigosas as condições em que o trabalho sexual acontece.17Veja, por exemplo, Choonara, 2008. Se algumas trabalhadoras do sexo podem se organizar para melhorar suas condições, então devemos apoiar isso, como Pritchard deixa claro em seu artigo original. No entanto, os socialistas devem olhar além das preocupações sindicais. Isso não está alinhado com os moralistas burgueses, como Dale e Rose sugerem.

Nossa ética é guiada pelo fato de que queremos acabar com a opressão e a exploração e criar um mundo de novo. Tentar organizar as trabalhadoras sexuais às custas de levantar argumentos contra a indústria do sexo não ajuda a atingir esse objetivo. Corre o risco de legitimar uma indústria que reforça a opressão das mulheres.

Tomar uma posição firme contra a existência da indústria do sexo não é, como Dale e Rose argumentam, fornecer apenas apoio “morno” para as mulheres dentro dessa indústria.18Dale e Rose, 2010. Pelo contrário, é a melhor maneira de lutar pelos direitos dessas mulheres, como parte de uma luta pelos direitos das mulheres em geral. Argumentar que devemos priorizar a organização de trabalhadoras do sexo, simplesmente porque elas são trabalhadoras, é cair em um tipo diferente de moralismo, que ignora considerações políticas.

Estamos lutando por um mundo onde a noção de que sexo pode ser comprado com dinheiro seja um conceito estranho e onde considerações econômicas sejam removidas dos relacionamentos sexuais. Este seria um mundo onde os relacionamentos sexuais seriam motivados por nada além do “abandono do amor jovem, ou pela paixão fervente, ou pela chama da atração física ou por um leve lampejo de harmonia intelectual e emocional”.19Kollontai, 2018 [1921]. Podemos alcançar isso melhor por meio de uma luta política pela libertação, não como meros “secretários de sindicato”, mas como “o tribuno popular que saiba reagir contra toda a manifestação de arbitrariedade e de opressão”.20Lenin, 1977 [1902], capítulo 3.


Referências

Banyard, Kat, 2010, “The Equality Illusion: The Truth about Men and Women Today” (Faber).

Choonara, Esme, 2008, “Prostitution: The Government Puts Women In Danger”, em Socialist Worker.

Dale, Gareth e Xanthe Rose, 2010, “Uma Resposta ao Debate sobre o Trabalho Sexual”, International Socialism número 127 (verão) e aqui no Mundo Invisível.

Kollontai, Alexandra, 2018 [1921], “A prostituição e as maneiras de combatê-la”, discurso na Terceira Conferência de toda a Rússia de Líderes dos Departamentos Regionais das Mulheres, acessível em Cem Flores e no Arquivo Marxista na Internet.

Lenin, Vladimir1977 [1902], “Que Fazer? Problemas Candentes do Nosso Movimento, disponível no Arquivo Marxista na Internet. Fonte: “Obras Escolhidas”, V. I. Lénine, edição em português da Editorial Avante, 1977 (inclusão em dezembro de 2002, substituição pela versão completa em abril de 2024).

Levy, Ariel, 2005, “Female Chauvinist Pigs: Women and the Rise of Raunch Culture (Simon & Schuster).

Pritchard, Jane, 2010, “O debate sobre o trabalho sexual”, International Socialism número 125 (inverno), acessível aqui no Mundo Invisível.


Notas

  • 1
    Dale e Rose, 2010.
  • 2
    Pritchard, 2010.
  • 3
    Dale e Rose, 2010.
  • 4
    Citado em Banyard, 2010, pág. 141.
  • 5
    Kollontai, 2018 [1921].
  • 6
    Dale e Rose, 2010.
  • 7
    Dale e Rose, 2010.
  • 8
    Levy, 2005.
  • 9
    Dale e Rose, 2010.
  • 10
    O IUSW já não fornece um link em seu site. O TLC Trust é uma organização sem fins lucrativos que exibe anúncios de fornecedores selecionados de serviços sexuais para pessoas com deficiências.
  • 11
    Para se registrar no TLC Trust,o acesso está aqui.
  • 12
    Dale e Rose, 2010.
  • 13
    Citado em Dale e Rose, 2010.
  • 14
    Veja o artigo de Cath Elliott “The great IUSW con”, publicado em 9 de janeiro de 2009 em seu site Too Much To Say For Myself.
  • 15
    Dale e Rose, 2010.
  • 16
    Dale e Rose, 2010.
  • 17
    Veja, por exemplo, Choonara, 2008.
  • 18
    Dale e Rose, 2010.
  • 19
    Kollontai, 2018 [1921].
  • 20
    Lenin, 1977 [1902], capítulo 3.

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