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1. O debate sobre o trabalho sexual

Jane Pritchard International Socialism, número 125 – 5 de janeiro de 2010

O debate sobre “trabalho sexual” dividiu o movimento sindical. Enquanto a central sindical GMB tentava organizar mulheres que trabalham em clubes de dança erótica, em 2009 o Congresso Feminino do Trade Union Congress (TUC) votou contra uma moção que apoiava a descriminalização da indústria do sexo e a sindicalização de trabalhadoras sexuais. Em vez disso, uma moção foi aprovada em favor da criminalização da compra de sexo. Nos últimos dois anos, o University and College Union (UCU), o Communication Workers Union (CWU) e o Unison assumiram posições diferentes sobre esse debate. Dentro do pensamento feminista, há visões opostas sobre o trabalho sexual e a violência contra as mulheres. Feministas radicais, em aliança com neoconservadores, fazem campanha pela abolição da prostituição e, nesse ínterim, estão apoiando a legislação que propõe a criminalização dos clientes. Outras feministas, muitas delas acadêmicas que pesquisam nessa área, assim como as próprias organizações de profissionais do sexo, exigem a descriminalização da prostituição. Elas argumentam que embora o objetivo a longo prazo seja eliminar as condições que geram a prostituição, no curto prazo a prioridade é manter as mulheres seguras.

A linguagem em si é altamente problemática e emotiva. “Prostituta” é considerada uma palavra depreciativa, usada para mulheres que são forçadas a vender sexo por meio da pobreza e exclusão, enquanto o uso do termo “trabalhadora sexual” é visto como dignificante de uma atividade que reflete e agrava a opressão das mulheres. Este artigo não sugere que o trabalho sexual seja “um trabalho como qualquer outro” — no entanto, o termo trabalho sexual será usado, primeiro porque evita a condenação moral frequentemente associada à palavra prostituta. Segundo, este termo é usado porque as mulheres que vendem sexo diretamente nas ruas, em apartamentos ou em bordéis são apenas um subconjunto de um número muito maior de mulheres que trabalham na indústria do sexo.1Times Higher Education, 11 de dezembro de 2008, revisando o trabalho da dra. Teela Sanders. A indústria do sexo moderna é uma indústria multibilionária, que gera enormes lucros tanto para corporações transnacionais quanto para gangues criminosas. A indústria do sexo é difícil de definir, porque abrange uma enorme gama de atividades diversas. De acordo com a escritora Elisabeth Bernstein:

“Assim, o âmbito do comércio sexual cresceu, abrangendo shows de sexo ao vivo; toda variedade de textos, vídeos e imagens pornográficas, impressas e on line; clubes fetichistas; “empórios” sexuais exibindo lap dancing e wall-dancing; agências de acompanhantes; contatos telefônicos e de sexo virtual; vias de strip-tease drive through; e turismo sexual organizado em países do mundo em desenvolvimento.”2Bernstein, 2001.

Números precisos são difíceis de obter, mas há um consenso geral de que as últimas duas décadas viram um ressurgimento na indústria internacional do sexo, incluindo prostituição de rua, a migração voluntária ou forçada de mulheres para trabalhar na indústria do sexo e a proliferação de clubes de dança erótica. O que é certo é que a indústria do sexo é extremamente lucrativa. Um relatório do Parlamento Europeu de 2004 estimou que a indústria global do sexo valeria de US$ 5 bilhões a US$ 7 bilhões.3Gall, 2006. Algumas das corporações transnacionais envolvidas, como a Playboy de Hugh Heffner e as redes de dança erótica de propriedade da Spearmint Rhino e da Foxy Lady, são bem conhecidas. No entanto, muitas empresas aparentemente mais respeitáveis obtêm enormes lucros fornecendo linhas telefônicas e programas de cabo e satélite, e sendo provedoras de internet para a indústria do sexo. Entre elas estão a GM Motors (por meio da DirecTV), a Time Warner, a News International (satélite EchoStar, AT&T) e a rede de hotéis Marriot International.

Em um mundo onde tudo está à venda, atividades como lap dance, que antes eram vistas como opressivas para as mulheres, agora são aceitas como oportunidades de lazer convencionais. Aulas de pole dance, que exigem saltos altos e shorts curtos, são amplamente anunciadas como a nova maneira de manter a forma. Pornografia soft é rotineiramente exibida nos balcões de supermercados e garagens, e a prostituição é glamourizada na TV em programas como The Secret Diaries of a Call Girl. Ao mesmo tempo, houve repulsa generalizada pelo assassinato de cinco jovens mulheres que trabalhavam nas ruas de Ipswich em 2007.

Essa combinação de maior visibilidade, normalização e violência brutal revitalizou um debate sobre como responder à prostituição e à indústria do sexo, sobre se as trabalhadoras sexuais são criminosas ou vítimas e se a indústria deve ser tolerada, reformada para melhorar a vida das mulheres ou totalmente combatida como opressão institucionalizada das mulheres. Dois dos principais debates se uniram, primeiro em torno de se trabalhar na indústria do sexo é fundamentalmente o mesmo que trabalhar em outras indústrias, com a consequência de que “trabalhadores sexuais” devem se organizar em sindicatos, assim como outros trabalhadores, e segundo, se os clientes devem ser criminalizados como uma forma de reduzir a demanda por sexo pago. Esses debates são o foco deste artigo.

Argumenta-se aqui que a compreensão da prostituição e da indústria do sexo em geral tem que estar enraizada na compreensão da opressão específica das mulheres dentro da unidade familiar capitalista e da crescente mercantilização do sexo, à medida que o mercado se intromete nos aspectos mais íntimos da existência humana. No sentido mais amplo, esses fenômenos têm que ser localizados no contexto da dinâmica da expansão capitalista, no vasto crescimento do alcance global do capitalismo no final do século XIX e novamente nos últimos 30 anos, no que é vagamente denominado globalização. Nesses dois períodos, os fatores que levam as mulheres (e um número muito menor de homens) a vender sexo foram transformados.

O debate sobre sexo como trabalho

A noção de “trabalho sexual”, de que vender sexo é um trabalho como qualquer outro, surgiu na década de 1970 por meio de grupos de defesa da prostituição nos EUA, como Cast Off Your Old Tired Ethics (COYOTE). Ela se baseia na ideia de que, como todo sexo é mercantilizado sob o capitalismo, o que pode ser amplamente denominado trabalho erótico é outro serviço que pode ser comprado ou vendido como qualquer outro. O resultado dessa análise é argumentar contra a criminalização da prostituição e contra as tentativas de erradicar a prostituição completamente. Alguns ativistas contemporâneos vão além de argumentar que o trabalho sexual é um trabalho como qualquer outro e argumentam que o trabalho sexual é, na verdade, superior a outros trabalhos disponíveis para mulheres. Eles apontam para benefícios em termos de horas de trabalho, autonomia, autodireção e até mesmo satisfação no trabalho.

Alguns celebram o “trabalho sexual” como um direito humano inerente e, em particular, como um direito das mulheres à expressão sexual e uma arena na qual as mulheres podem exercer controle desproporcional sobre os homens. Nessa ponta do espectro de teorias sobre trabalho sexual, o que começou como uma compreensão de como a necessidade econômica leva as mulheres à indústria do sexo se tornou uma celebração e expressão do empoderamento feminino. Por exemplo, Ana Lopez, do sindicato GMB e da International Union of Sex Workers (IUSW), chama a prostituição de uma “escolha positiva” para as mulheres. O site da IUSW argumenta que a prostituição pode ser empoderadora para as mulheres:

“As pessoas ganham força pessoal vendendo seus corpos porque seus clientes as adoram e as admiram, elas fazem tanto sexo quanto querem e desafiam os costumes e papéis tradicionais impostos a elas. Frequentemente, prostitutas são mulheres extremamente saudáveis, brincalhonas, criativas, aventureiras e independentes.”4https://iusw.org/

Tais argumentos são aceitos pelo acadêmico Gregor Gall, que afirma sobre o discurso do “trabalho sexual”:

“[Ele] demonstrou ser suficientemente robusto para permitir que a geração de sexo, serviços sexuais e artefatos sexuais como mercadorias sob o capitalismo sejam categorizados não apenas como trabalho, mas como trabalho assalariado… [portanto] pode-se esperar que o trabalho assalariado sexual sob o capitalismo esteja sujeito aos mesmos impulsos e dinâmicas amplas do processo de acumulação capitalista aos quais outros trabalhos assalariados estão sujeitos.”5Gall, 2006, p35.

Gall conclui que, como o trabalho sexual é fundamentalmente o mesmo que outras formas de emprego, ele gera o potencial para um projeto de sindicalização e a possibilidade de trabalhadoras sexuais exercerem influência coletiva para defender e promover seus interesses.

Na outra ponta do espectro está o feminismo abolicionista, que alega que todo sexo comercial é violência contra as mulheres. Propostas para melhorar a segurança das trabalhadoras sexuais, legitimando suas situações de trabalho, são rejeitadas como legitimadoras da violência contra as mulheres. Nessa visão, não há diferença qualitativa entre a “violência” de uma sociedade que “força” uma mulher a se tornar uma dançarina de colo e a violência que se expressa em espancamentos, estupros e assassinatos.

Entre essas pontas polares do espectro, socialistas e feministas adotam uma variedade de visões. No entanto, para considerar esses argumentos, é importante entender a relação entre capitalismo, prostituição e indústria do sexo e a opressão específica das mulheres na sociedade capitalista.

Capitalismo, prostituição e a indústria do sexo

Embora tenha sido apelidada de “a profissão mais antiga”, a prostituição não foi encontrada em todas as sociedades. O historiador norueguês N. J. Ringdal sugere que a prostituição foi um fenômeno cultural único, desenvolvido pela primeira vez na Mesopotâmia e depois se espalhou para culturas vizinhas no Egito, Grécia e Índia.6Ringdal, 2004. No entanto, desde os tempos antigos, muitas sociedades na América do Norte, na antiga Índia Oriental e na Polinésia tinham um alto grau de liberdade para as mulheres e não estavam familiarizadas com a prostituição.7Ringdal, 2004. Portanto, a prostituição não era uma característica inevitável das primeiras sociedades humanas. A dirigente do Partido Bolchevique Alexandra Kollontai ajudou a desenvolver uma análise marxista da prostituição após a Revolução Russa de 1917. Ela fez uma distinção entre a prostituição em outras eras, como a Grécia e Roma antigas, e a prostituição sob o capitalismo.8Kollontai, 2018 [1921]. Nos tempos antigos, o número de prostitutas era pequeno e a prostituição era vista como um complemento legal para relacionamentos familiares exclusivos. Na Idade Média, sob a produção artesanal, a prostituição era aceita como legal e sem problemas. As prostitutas tinham suas próprias guildas e participavam de festivais e eventos locais como qualquer outra guilda.9Kollontai, 2018 [1921].

Isso mudou com a ascensão do capitalismo. A prostituição no século XIX ocorria em uma escala muito maior do que em sociedades anteriores. Foi alimentada pelo deslocamento social massivo, pois as pessoas foram expulsas da agricultura para o sistema de manufatura. A urbanização, a pobreza e a migração em larga escala que caracterizaram o capitalismo do século XIX produziram condições nas quais bordéis surgiram ao redor do mundo. Em seu livro “London Labour and the London Poor”, escrito na década de 1850, Henry Mayhew descreveu como mulheres em negócios sazonais e inseguros eram frequentemente levadas à prostituição em certas épocas do ano.10Mayhew, 1861. Assim, as chapeleiras, cujas habilidades eram procuradas apenas durante a “temporada” da sociedade londrina, tornaram-se particularmente associadas à prostituição. A anarquista-socialista Emma Goldman citou um estudo chamado Prostitution in the Nineteenth Century para descrever as condições que alimentaram o crescimento da prostituição:

“Embora a prostituição tenha existido em todas as épocas, coube ao século XIX desenvolvê-la em uma gigantesca instituição social. O desenvolvimento da indústria, com vastas massas de pessoas no mercado competitivo, o crescimento e o congestionamento das grandes cidades, a insegurança e a incerteza do emprego deram à prostituição um ímpeto nunca sonhado em nenhum período da história humana.”11Goldman cita Alfred Blaschko, em “Prostitution im 19. Jahrhundert” (A prostituição no século 19), de 1902.

Em 1921, Kollontai afirmou que em Berlim havia uma prostituta para cada 20 mulheres ditas “honestas”. Em Paris, a proporção era de uma para 18 e em Londres, de uma para nove.12Kollontai, 2018 [1921].

Naquela época, como agora, havia uma forte relação entre a migração de mulheres e a prostituição. No final do século XIX, cerca de 80% das prostitutas no Rio de Janeiro e Buenos Aires eram imigrantes de primeira geração da Europa.13Ringdal, 2004. Isso era verdade para grandes cidades da Itália à Índia, com a maioria dos migrantes sendo da Europa Central e Oriental.14Gibson, 1986. A histeria e o pânico moral se concentravam no crescimento de um “tráfico de escravas brancas”. A alegação de que mulheres brancas estavam sendo profanadas por homens estrangeiros e não brancos gerou uma aliança de reacionários que englobava a igreja e os políticos. No entanto, havia pouca evidência de que mulheres haviam sido sequestradas ou coagidas. Em vez disso, elas estavam tentando escapar da pobreza desesperadora e, até certo ponto, ganhar independência econômica.

O desenvolvimento capitalista internacional no século XIX transformou a prostituição em uma indústria sexual internacional. O período mais recente de globalização e reestruturação da produção capitalista, a partir da década de 1970, remodelou novamente a indústria do sexo, pois causou estragos na vida das pessoas comuns, especialmente das mulheres. Nos países em desenvolvimento, os programas de ajuste estrutural impostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) aumentaram o deslocamento em áreas rurais, aumentaram o desemprego em áreas urbanas e levaram a cortes salariais e ao aumento da pobreza. Em novas zonas de produção do Sudeste Asiático, as corporações transnacionais atropelam o salário mínimo e as leis de saúde e segurança, deixando as mulheres trabalhando em condições perigosas. A crescente indústria do sexo preenche a lacuna deixada pelos salários pagos abaixo dos níveis de subsistência ou pela falta de qualquer emprego seguro e remunerado.

As políticas neoliberais produziram uma enorme polarização entre as elites super-ricas e os marginalizados e desesperadamente pobres, que muitas vezes são levados para a economia informal e a indústria do sexo para sobreviver. Por exemplo, a Rússia hoje é uma grande fonte de trabalhadoras sexuais migrantes e um grande destino para elas. Um escritor descreveu a “erotização da cultura russa”, na era pós-soviética. Os novos super-ricos russos alimentaram um boom do sexo comercial, no qual “a prostituição foi totalmente incorporada à vida pública e privada das elites pós-soviéticas, que muitas vezes eram encontradas em casas noturnas caras cercadas por garotas de programa”.15Avgerinos, 2007. Isso coincidiu com o colapso dramático da economia e a secagem de quaisquer fontes alternativas de emprego. Uma pesquisa na década de 1990 classificou a prostituição em oitavo lugar entre os vinte empregos mais comuns no país.16Avgerinos, 2007.

A Guerra do Iraque, que trouxe consigo a destruição da economia e das estruturas sociais iraquianas, aumentou a indústria do sexo. O jornal Independent relatou que cerca de 50 mil mulheres iraquianas refugiadas estavam sendo levadas à prostituição na Síria. Nihal Hassan relatou sobre um clube de sexo em Damasco: “A maquiagem não consegue disfarçar o fato de que a maioria está na adolescência. É uma visão estranha em um país muçulmano conservador, mas este é o negócio do sexo, e está crescendo como resultado da guerra no Iraque”17“50,000 Iraqi refugees” forced into prostitution, Independent, 24 de junho de 2007. A indústria do sexo está no centro de complexas redes internacionais de pobreza, perseguição legal e exploração econômica que forçam as mulheres à prostituição. No entanto, essas redes não poderiam ter se desenvolvido dessa forma se não fosse pela opressão contínua das mulheres na sociedade contemporânea.

A expansão do capitalismo internacional no final do século XIX e início do século XX teve muitas semelhanças com o período atual do capitalismo em termos de internacionalização das finanças, comércio e investimento e da indústria do sexo. No entanto, uma distinção importante deve ser feita. Houve uma ausência virtual de restrições à imigração até o fim da Primeira Guerra Mundial, enquanto desde a Segunda Guerra Mundial, uma legislação de imigração cada vez mais repressiva e generalizada foi introduzida no mundo desenvolvido. A legislação anti-imigração significa que não há possibilidade de mulheres pobres e não qualificadas viajarem de forma independente e trabalharem legalmente, então elas se tornam dependentes de agências de recrutamento e redes criminosas. Enquanto algumas encontram empregos mal pagos cuidando das famílias de outras pessoas, ou limpando e servindo refeições, outras se enredam na complexa rede da indústria do sexo.

Mulheres migrantes que trabalham na indústria do sexo correm risco de deportação, prisão, assédio e abuso. A deportação significa que elas acabam com dívidas desastrosas que nunca conseguirão pagar e muitas vezes enfrentam rejeição por suas famílias. No Reino Unido, as agências governamentais consideram as mulheres traficadas acima de tudo como estrangeiras indesejáveis. O fato de que elas podem ser vítimas de violência sexual e exploração é completamente subordinado ou mesmo irrelevante para seu status de imigração. Organizações de refugiados acusaram o Ministério do Interior de escolhê-las como alvos fáceis para aumentar as metas de deportação, porque as trabalhadoras sexuais migrantes são uma presa fácil. Portanto, embora os políticos do New Labour [os governos do Partido Trabalhista no Reino Unido de 1997 a 2009] falem da boca para fora sobre a situação das mulheres traficadas, é a legislação repressiva de imigração de seu governo que deixa as mulheres vulneráveis a gangues criminosas e trata as vítimas de traficantes sexuais como imigrantes ilegais para serem deportadas contra sua vontade.

As raízes da opressão e da mercantilização do sexo

A escala e a natureza da prostituição e do trabalho sexual foram e são condicionadas pela pobreza, polarização e deslocamento endêmicos do capitalismo global. No entanto, a prostituição não é apenas outra dimensão da exploração, mas tem que ser entendida no contexto da opressão das mulheres. As mulheres nem sempre foram oprimidas. De acordo com Friedrich Engels, a opressão das mulheres se desenvolveu com o surgimento da propriedade privada e foi posteriormente transformada pela ascensão da família burguesa, que se tornou o mecanismo de transferência de propriedade de uma geração para outra.18Bebel, 1879 e Engels, 1964. A opressão das mulheres modernas também foi moldada pela separação do lar do local de trabalho durante a revolução industrial e a resultante criação de uma esfera separada da vida privada.

Junto com Engels, August Bebel argumentou que a prostituição era o outro lado do casamento e uma “instituição social necessária da sociedade burguesa”.19Bebel, 1879 e Engels, 1964. A prostituição desempenhou um papel específico porque o interesse sexual foi removido da família burguesa e atribuído às prostitutas. Esperava-se que as mulheres dentro da família suportassem o sexo como um meio de procriação, enquanto os homens eram considerados como tendo desejos que só poderiam ser saciados fora dos limites da família. Alguns moralistas vitorianos justificaram a existência da prostituição com base nisso. Como escreveu a historiadora Leonore Davidoff:

“Os defensores da prostituição a viam como uma instituição necessáriam que agia como um esgoto gigante, afastando os resíduos desagradáveis, mas inevitáveis, da luxúria masculina, deixando a família da classe média e as mulheres da classe média puras e imaculadas.”20Davidoff, 1995.

Alexandra Kollontai escreveu que a prostituição “surgiu nos primeiros Estados como a inevitável sombra da instituição do casamento, a qual foi projetada para preservar os direitos à propriedade privada e garantir a herança de propriedade através de uma linhagem de herdeiros legítimos”.21Kollontai, 2018 [1921]. Essa atitude ajuda a explicar por que a prostituição era moralmente condenada, mas tolerada e, em alguns países, como a França, altamente regulamentada pelo Estado.

Alexandra Kollontai

Relatos marxistas sobre as raízes da opressão das mulheres foram revividos por algumas vertentes do movimento de libertação das mulheres das décadas de 1960 e 1970. Em seus primeiros dias, o movimento das mulheres buscou desafiar a exploração econômica das mulheres com campanhas contra a discriminação e por salários iguais no local de trabalho. O movimento também fez campanha por creches 24 horas, acesso igualitário à educação e empregos e a extensão do controle das mulheres sobre sua própria fertilidade por meio do acesso à contracepção e ao aborto. As mulheres desafiaram estereótipos sobre sua aparência e os padrões duplos aplicados à sua sexualidade, que sancionavam a atividade sexual dos homens, enquanto castigavam as mulheres que exerciam a mesma liberdade.

No entanto, os ganhos obtidos pelo movimento das mulheres não foram sustentados. Uma ala do movimento recuou para a política do pessoal e substituiu a luta coletiva por estilos de vida individuais, enquanto a outra, as feministas socialistas, se atrelaram ao Partido Trabalhista. O resultado disso foi enfraquecer seriamente a capacidade do movimento de desafiar a desigualdade nos locais de trabalho e a opressão das mulheres em geral. O fim do movimento feminista, juntamente com a crescente mercantilização do sexo, abriu caminho para o ressurgimento de novas formas de sexismo, o chamado sexismo irônico, que levou à normalização das “revistas masculinas”, da pornografia e dos clubes de dança erótica.

Hoje, as mulheres participam mais amplamente da força de trabalho do que nunca e, embora alguns ganhos tenham sido feitos, a igualdade genuína está muito distante. Embora a ideologia da família nuclear seja mais forte do que a realidade, a família continua sendo central para o capitalismo em termos de reprodução do trabalho e cumprimento de funções de bem-estar. A opressão das mulheres e a existência contínua da família são geradas pelos interesses do capitalismo, que é melhor atendido ao empurrar o fardo do bem-estar social para as famílias individuais. As mulheres são deixadas para lidar com uma ideologia pós-feminista que lhes diz que são iguais e liberadas, enquanto a realidade é de remuneração desigual, responsabilidade pelo cuidado das crianças e discriminação sexista.

O capitalismo no século XXI aumentou a objetificação das mulheres e a mercantilização do sexo. O sexo é usado em todos os lugares, para vender tudo. As relações sociais que criam a possibilidade de uma indústria do sexo estão profundamente enraizadas nas estruturas do próprio capitalismo. O domínio da competição de mercado sobre as relações pessoais cria uma situação em que os desejos humanos são transformados em mercadorias que podem ser vendidas com lucro. Em seus primeiros escritos, Marx descreveu como, na sociedade capitalista:

“Cada tentativa de estabelecer sobre o outro um poder alienígena, na esperança de, assim, atingir a satisfação de suas próprias necessidades egoístas… torna-se o escravo inventivo e sempre calculista de apetites desumanos, refinados, não naturais e imaginários. Ele se coloca à disposição das fantasias mais depravadas de seu vizinho, bajula suas necessidades, excita apetites doentios nele e ataca cada fraqueza, para que ele possa então exigir o dinheiro por seu trabalho de amor.”22Marx, 1975, p356. “Terceiro Manuscrito – Necessidades, Produção e Divisão do Trabalho”. N. do T: Na verdade, o trecho é muito mais longo do que o citado por Pritchard: “Dentro do sistema da propriedade privada, ela tem o significado diametralmente oposto. Cada homem especula sobre a criação de uma nova necessidade no outro a fim de obrigá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo sob nova dependência, e induzi-lo a um novo tipo de prazer e, em consequência, à ruína econômica. Todos procuram estabelecer um poder estranho sobre os outros, para com isso encontrar a satisfação de suas próprias necessidades egoístas. Com a massa de objetos, por conseguinte, cresce também o reino de entidades estranhas a que o homem se vê submetido. Cada novo produto é uma nova potencialidade de mútua fraude e roubo. O homem torna-se cada vez mais pobre como homem; ele tem necessidade crescente de dinheiro para poder apossar-se do ser hostil. O poder de seu dinheiro diminui na razão direta do aumento do volume da produção, isto é, sua necessidade cresce com o poder crescente do dinheiro. A necessidade de dinheiro é, pois, a necessidade real criada pela economia moderna, e a única necessidade por esta criada. A quantidade de dinheiro torna-se cada vez mais sua única qualidade importante. Assim como ele reduz toda entidade a sua abstração, também se reduz a si mesmo, em seu próprio desenvolvimento, a uma entidade quantitativa. Excesso e imoderação passam a ser seu verdadeiro padrão. Isso é demonstrado subjetivamente, em parte pelo fato de a expansão da produção e das necessidades tornar-se uma subserviência engenhosa e sempre calculista a apetites desumanos, depravados, antinaturais e imaginários. A propriedade privada não sabe como transformar a necessidade bruta em necessidade humana; seu idealismo é fantasia, capricho e ilusão. Nenhum eunuco lisonjeia a seu tirano de forma mais desavergonhada nem procura por meios mais infames estimular seu apetite embotado, a fim de granjear algum favor, do que o eunuco da indústria, o homem de empresa, a fim de adquirir algumas moedas de prata ou de atrair o ouro da bolsa de seu amado próximo. (Todo produto é uma isca por meio da qual o indivíduo tenta engodar a essência da outra pessoa, o dinheiro desta. Toda necessidade real ou potencial é uma fraqueza que atrairá o passarinho para o visgo. A exploração universal da vida humana em comunidade. Como toda imperfeição do homem é um vínculo com o céu, um ponto em que seu coração é acessível ao sacerdote, assim também toda necessidade material é uma oportunidade para a gente aproximar-se do próximo, com uma atitude amistosa, e dizer: ‘Caro amigo, dar-lhe-ei aquilo de que você precisa, mas você conhece a conditio sine qua non . Você sabe qual tinta tem de usar para entregar-se a mim. Eu o trapacearei ao proporcionar-lhe satisfação.’) O homem de empresa concorda com os mais depravados caprichos de seu próximo, desempenha o papel de alcoviteiro entre ele e suas necessidades, desperta apetites mórbidos nele e presta atenção a cada fraqueza a fim de, posteriormente, reivindicar a remuneração por esse serviço de amor.”

Hoje, nos acostumamos tanto a uma situação em que todas as nossas necessidades humanas foram transformadas em mercadorias que isso parece quase natural. Em sua busca voraz por novos mercados para explorar, as organizações capitalistas sondam cada vez mais profundamente todos os aspectos de nossas vidas e, no processo, os transformam ainda mais. Assim, o dinheiro pode comprar qualquer coisa, incluindo a simulação do amor, mas, do outro lado da moeda, todos os nossos desejos e habilidades humanas se contraem em um foco no consumo ou no que Marx chamou de senso de ter:

“A propriedade privada tornou-nos tão néscios e parciais que um objeto só e nosso quando o temos, quando existe para nós como capital ou quando é diretamente comido, bebido, vestido, habitado, etc., em síntese, utilizado de alguma forma.”23Marx, 1975, p351.”Terceiro Manuscrito – Propriedade Privada e Comunismo”.

Nossa capacidade de experimentar prazer sexual é alienada de nós e transformada em uma mercadoria que então desejamos consumir. Mas esse processo transforma a confiança e a satisfação sexual em objetivos que se afastam cada vez mais do nosso alcance. Em seu livro “Female Chauvinist Pigs: Women and The Rise of Raunch Culture, Ariel Levy mostra como a crescente mercantilização do sexo e a objetificação dos corpos das mulheres se tornaram cada vez mais divorciadas e desconectadas do prazer e da realização sexual.24Levy, 2006, p22.

A indústria do sexo agora parece estar definindo a agenda para vários programas de TV, que mostram como as mulheres são encorajadas a buscar a felicidade pessoal sendo cirurgicamente, cosmeticamente e indumentariamente ajustadas para se conformar a certos estereótipos sexuais. Nos EUA, o aumento dos seios aumentou em 700% entre 1992 e 2004. Em alguns países da América do Sul, esse procedimento é um presente padrão para uma filha aos 18 anos.25Levy, 2006 p158. Cada vez mais, as mulheres estão até preparadas para se submeter a uma “vaginoplastia”, na qual sua vulva e lábios são cirurgicamente alterados para fazê-los parecer com os de estrelas pornôs da Playboy. Não poderia haver exemplo mais gráfico de como as mulheres em particular são alienadas de seus corpos, a tal ponto que estão preparadas para pagar para alguém cortá-las e costurá-las em um formato que lhes dizem que as tornará desejáveis para os outros.

O sexo não é imune às condições que moldam todos os aspectos de nossas vidas. Toda sexualidade é moldada pelas condições materiais e prioridades sociais da sociedade em que vivemos, mas o tratamento aberto do sexo como uma mercadoria a ser vendida no mercado não é apenas mais um aspecto desse processo. A sexualidade é considerada um dos últimos aspectos íntimos de nós mesmos. O sexo é parte da nossa natureza humana, uma experiência que pode ser gratificante e uma parte central da identidade de um indivíduo. Como disse um economista:

“A prostituição é o exemplo clássico de como a mercantilização degrada o valor de um presente e seu doador, pois destrói o tipo de reciprocidade necessária para realizar a sexualidade humana como um bem compartilhado e o reconhecimento mútuo das necessidades de cada parceiro.”26Anderson, 1993, citada em Van der Veen, 2001.

Abertura sobre sexo e expectativas de realização sexual eram as principais demandas do movimento de libertação das mulheres. No entanto, a liberdade sexual conquistada nas décadas de 1960 e 1970 foi distorcida e reembalada como mercadoria. A venda da sexualidade para clientes transforma o corpo em um objeto, uma coisa para outra pessoa usar. Todas as aspirações à autonomia e satisfação pessoal são brutalmente eliminadas pelo sexo comercial, que degrada mulheres e homens e reforça os preconceitos mais retrógrados contra as mulheres.

Organizando profissionais do sexo

Após a Revolução Russa de 1917, os bolcheviques acreditavam que a prostituição era incompatível com a aspiração pela igualdade sexual. Eles revogaram todas as leis relativas à prostituição e o primeiro Congresso Russo de Camponesas e Trabalhadoras adotou o slogan “Uma mulher da República Soviética do Trabalho é uma cidadã livre, com direitos iguais, e não pode ser e não deve ser objeto de compra e venda”. Apesar dessas proclamações, a prostituição na Rússia cresceu após 1917, principalmente devido às duras circunstâncias econômicas que prevaleciam. A questão foi tratada de forma inconsistente, com bordéis operando abertamente em algumas áreas, enquanto em outras, prostitutas eram presas.

A visão de Kollontai era que a prostituição era errada, não por motivos morais, mas porque impedia as mulheres de contribuírem para a sociedade socialista. Além disso, ela argumentava que a prostituição representava uma ameaça à nova moralidade socialista, porque destruía a solidariedade e a camaradagem na classe trabalhadora. Portanto, a luta contra a prostituição devia ocorrer em duas frentes: a primeira para garantir a igualdade econômica para as mulheres e sua participação na força de trabalho, a segunda para minar a existência da família como fonte de opressão das mulheres, introduzindo cantinas, lavanderias e creches coletivas.27Kollontai, 2018 [1921].

Também houve uma discussão animada sobre a questão da prostituição e sexualidade entre a socialista alemã e ativista pelos direitos das mulheres Clara Zetkin e Lenin. Lenin reconheceu que as prostitutas eram vítimas duplas da sociedade burguesa — “vítimas, primeiro de seu maldito sistema de propriedade e, segundo, de sua maldita hipocrisia moral”. No entanto, ele condenou os esforços de uma mulher comunista em Hamburgo para organizar prostitutas como um “desvio mórbido”. Ele argumentou que os socialistas deveriam se concentrar em organizar as mulheres onde elas tinham poder coletivo, nos locais de trabalho, e assim transformar toda a sociedade. A própria Zetkin desdenhava a “conversa fiada das mulheres burguesas” que moralizavam sobre os males da prostituição — ela argumentava que sem trabalho bem pago para as mulheres, qualquer discussão sobre a abolição da prostituição era bobagem.28O debate é descrito em Ringdal, 2004, p267.

Clara Zetkin (esq.) e Rosa Luxemburgo em Berlim, 1910

Alguns ativistas e acadêmicos argumentam que a prostituição é um trabalho como qualquer outro, pois as trabalhadoras sexuais negociam taxas de pagamento pelo serviço que realizam, têm controle sobre suas condições de trabalho e exercem mais autonomia do que as mulheres em muitos outros empregos mal pagos e de baixo status. No entanto, a possibilidade de organização coletiva no trabalho depende do compartilhamento de condições, de um empregador comum e de queixas compartilhadas, que podem ser combatidas.

As trabalhadoras sexuais enfrentam barreiras enormes em sua capacidade de se organizar coletivamente para melhorar o pagamento e as condições. As mulheres envolvidas na prostituição de rua são marginalizadas, isoladas e desesperadas, onde há pouca possibilidade de lutar por taxas coletivas para o trabalho, de negociar coletivamente com clientes ou contribuir para planos de pensão. No Reino Unido, as mulheres que trabalham nas ruas são principalmente aquelas excluídas da sociedade, como adolescentes fugitivas, viciadas em drogas e migrantes sem documentos que se voltam para a prostituição como meio de sobrevivência. Não está claro, de forma alguma, que elas desejariam ser incorporadas à sociedade civil como “trabalhadoras sexuais”, mesmo que essa opção estivesse aberta a elas. Nem todos os que vendem sexo se consideram “trabalhadores do sexo” ou desejam ser reconhecidos como tal.29O’Connell Davidson, 2006.

Embora esse possa ser o caso das mulheres que trabalham nas ruas do Reino Unido, historicamente, em partes do mundo desenvolvido a situação pode ser mais complexa. Durante o século XIX e a primeira parte do século XX, houve muitos exemplos de prostitutas se organizando e protestando contra maus-tratos. A atual organização uruguaia de trabalhadoras sexuais tem as sementes de sua história na luta das prostitutas polonesas durante o século XIX. A resistência cotidiana é documentada desde meados do século XIX em Lucknow (Índia), na Guatemala e no Quênia colonial nas décadas de 1920 e 1930.30Downe, 1999; Kempadoo e Doezema, 1998. Houve ondas significativas de organização de trabalhadoras do sexo na década de 1970 e depois no início da década de 1990, em resposta ao HIV/Aids. Uma terceira onda de organização parece estar surgindo significativamente na Índia e na Argentina. O Karnataka Sex Workers Union, estabelecido na Índia em 2006, constituiu-se especificamente como um sindicato, filiando-se à New Trade Union Initiative (NTUI), que organizou outros trabalhadores informais. Eles ajudaram a inscrever mulheres no registro eleitoral, lutaram contra a criminalização de clientes e pressionaram o governo sobre a violência contra profissionais do sexo.31Hardy, 2010.

Em 2001, na Argentina, a organização de profissionais do sexo Asociación de Mujeres Meretrices de la Argentina (AMMAR) tornou-se integrante oficial afiliada da Central de los Trabajadores de la Argentina (CTA). Embora sujeita a debate no movimento, sua filiação foi além de um gesto simbólico. A CTA usou recursos para apoiar mulheres contra abusos, enquanto as secretárias da filial da AMMAR assumiram responsabilidades como membros eleitos da CTA.32Hardy, 2010. Não houve nenhuma sugestão de que o trabalho sexual fosse desejável ou gratificante, mas como (frequentemente) mães solteiras, era a melhor opção disponível para alimentar a si mesmas e suas famílias. Nas palavras de uma das integrantes da AMMAR, sua aspiração era:

“Que um dia não haja mais mulheres que exerçam esse trabalho por necessidade; no entanto, como não somos donas da verdade, deixamos em aberto a discussão sobre se — no futuro que sonhamos — haverá mulheres que ainda queiram fazer esse trabalho.”33Hardy, 2010.

A ascensão dos clubes de lap dance

A indústria do sexo se estende além da troca direta de dinheiro por sexo. Os clubes de lap dance são uma manifestação concreta da indústria do sexo que os socialistas precisam abordar. Primeiro, esses são os lugares em que se considera haver trabalho “erótico” e que têm sido alvos de recrutamento sindical pelo sindicato GMB. Segundo, como socialistas ou ativistas em nossas comunidades, temos que ter uma visão sobre se é aceitável que eles estejam localizados em nossas áreas.

Os clubes de lap dance são um aspecto importante da indústria porque são apresentados como sua face respeitável. Clubes como o Spearmint Rhino conseguiram ganhar um ar de respeitabilidade graças ao marketing habilidoso e ao apoio de celebridades. Enquanto clubes de striptease e bordéis são vistos como sórdidos e desagradáveis, clubes de dança erótica são vistos como uma parte essencial da cultura “lad” — um lugar onde os “garotos da cidade” podem gastar seus bônus inflados. Pior ainda é que levar funcionários para um clube, comprar bebidas e pagar mulheres para dançar são despesas comerciais legítimas e as empresas podem reivindicar 15% de IVA.34Joan Smith: “Another expenses scandal – in lap-dancing clubs”, Independent, 20 de setembro de 2009. Isso reflete a discriminação e o sexismo arraigados no setor financeiro. Nessa cultura “irônica” e pós-feminista, a frequência não é exclusiva dos homens. As mulheres são descartadas como puritanas e estraga-prazeres se não participarem.

A lap dance foi descrita como “a área de crescimento mais rápido na indústria do sexo da Grã-Bretanha”. Existem 150 clubes no Reino Unido e 20 em Londres, e estima-se que eles gerem £ 1 bilhão por ano.35London Evening Standard, 17 de agosto de 2007. Um fator na proliferação desses clubes é a Licensing Act de 2003, que introduziu a licença de instalações de tamanho único, o que significa que os clubes de striptease não são mais obrigados a obter permissão especial para nudez. Alguns sugeriram que a lap dance é completamente separada da indústria do sexo e é simplesmente uma entre muitas atividades de lazer abertas a pessoas comuns. O antigo proprietário do For Your Eyes Only, Alan Whitehead, rejeitou as críticas à sua contribuição para a indústria do sexo e argumentou: “Claro que elas tiram a roupa, mas não são strippers. Elas são dançarinas”.36Daily Mirror, 9 de julho de 2003.

A lap dance é promovida como um trabalho onde as mulheres podem ganhar muito dinheiro e ter algum poder e autonomia. Para a grande maioria das mulheres, isso é bobagem. Todas as dançarinas de lap dance em clubes são autônomas, dependendo de gorjetas e da renda com danças privadas. Dançarinas pagam entre £ 35 e £ 100 por noite para a gerência do clube para “alugar” instalações como postes, áreas de cabaré, cabines de dança privadas e suítes VIP. Esse trabalho autônomo não é libertador, mas mantém as mulheres permanentemente inseguras e subservientes. As mulheres não estão no controle, autônomas ou empoderadas — elas são estritamente monitoradas e controladas.

Mudanças na lei que reclassifica os clubes de dança erótica como “instituições de encontros sexuais” devem ser bem-vindas, embora com cautela. Feministas radicais, como Julie Bindel, estão preparadas para fazer alianças com grupos de direita para pedir ao Estado que proíba os clubes de dança erótica. Socialistas não deveriam ter nenhuma ligação com essas pessoas. Além de argumentos moralistas opostos, não vemos a solução como dar mais poder ao Estado, pois o Estado é um meio de opressão, não de libertação. Por exemplo, em 1984, a Lei de Publicações Obscenas (1959) foi usada para invadir a livraria Gay’s the Word e apreender centenas de livros, como parte da reação moral sob o governo conservador de Margaret Thatcher.

O impacto dos clubes de dança erótica nas localidades vai muito além do que realmente acontece dentro deles. Isso significa que as mulheres que vivem e trabalham nessas áreas têm mais probabilidade de ser vítimas de abuso e assédio. Em 2006, o grupo Respect argumentou no conselho de Tower Hamlets contra a extensão das licenças para clubes de dança erótica, alegando que eles degradavam e exploravam as mulheres e faziam parte da ideia do New Labour de regenerar os centros urbanos, reembalando-os como playgrounds para os ricos. A City of London Corporation não permite clubes de sexo ou locais de dança erótica. Em vez disso, táxis cheios de corretores da Bolsa vão para áreas desfavorecidas na periferia da cidade, como Tower Hamlets.

Os clubes de dança erótica são sintomáticos da maneira mais ampla como a indústria do sexo foi normalizada e passou a ser vista como aceitável. Antes de 2003, o Jobcentre Plus (a agência de empregos do governo do Reino Unido) não anunciava vagas na indústria de “entretenimento adulto”. Isso significava que as pessoas que não considerassem esse tipo de emprego poderiam arriscar seus direitos de benefício. Após uma contestação legal da Ann Summers Ltd, em 2003, essa decisão foi revertida. Entre 2006 e 2007, 351 empregos foram anunciados em centros de emprego do governo, incluindo dançarinas de pole dance, trabalhadoras de linhas de bate-papo “adultas”, massagistas e acompanhantes.37Jobcentre Plus.

Alguns ativistas pelos direitos das trabalhadoras sexuais argumentam que a dança erótica é entretenimento adulto, não um serviço sexual, e que esse grupo de trabalhadoras deve ter acesso aos mesmos direitos trabalhistas e proteção que outros trabalhadores na economia. Em 2001, “dançarinas eróticas” e outras que trabalham na indústria do sexo foram convidadas a se juntar à GMB. A GMB adotou a definição do sindicato IUSW, que abrange “quaisquer trabalhadoras que usam seu corpo e/ou sua sexualidade para ganhar a vida”. Em 2004, ela tinha uma filial de 150 membros, principalmente dançarinas de colo e de mesa. Os sindicatos assinaram um acordo de reconhecimento com dois clubes de dança erótica e afirmam que as condições de trabalho e os termos de emprego melhoraram desde então. Códigos de conduta e procedimentos de reivindicação foram introduzidos, e representantes sindicais foram eleitos nesses dois clubes. Por mais bem-intencionada que seja a GMB, não está claro que tal organização tenha ido além de uma presença simbólica na indústria. Se as mulheres que trabalham nesses lugares são capazes de se organizar para melhorar seus salários e condições de trabalho, então é claro que os socialistas devem apoiá-las. Nossa briga não é com as mulheres que trabalham neles, mas com as grandes empresas e indivíduos que ganham grandes somas para mercantilizar o sexo e negociar com a objetificação das mulheres.

Os socialistas devem se opor aos clubes de lap dance porque eles são parte integrante da indústria do sexo. A própria existência deles ajuda a perpetuar a opressão das mulheres. Os clubes de lap dance não são locais de trabalho normais, e as tentativas de caracterizá-los como tal devem ser combatidas. Quer as dançarinas tenham direitos sindicais ou não, os clubes funcionam com base na objetificação das mulheres e as embalam como objetos disponíveis para a gratificação sexual de outros. A existência de clubes de lap dance torna mais difícil lutar contra a ideia de que as mulheres devem ser valorizadas de acordo com o quão bem elas se conformam aos estereótipos físicos ou quão sexualmente disponíveis elas são.

Criminalizar os clientes?

Em vez de criminalizar as próprias trabalhadoras do sexo, alguns governos buscaram criminalizar os homens que solicitam ou pagam por serviços sexuais. Uma das cláusulas controversas do Projeto de Lei de Polícia e Crime do Reino Unido (2009) foi a proposta de criminalizar os homens que compram sexo. O argumento é que transferir o fardo da culpa para os clientes trará uma redução na prostituição. Isso tem sido fortemente contestado por uma ampla gama de organizações e representantes de trabalhadoras sexuais, por tornar as coisas mais perigosas, pois leva a atividade para a clandestinidade, onde as mulheres são menos protegidas.38Action Alert: How to oppose the Policing and Crime Bill”, English Collective of Prostitutes, 4 de abril de 2009, e “Prostitution Clauses Policing And Crime Bill 2009 – ECP”, Women in London, 9 de novembro de 2009.

Na Suécia, uma lei de 1998 criminalizou a compra de sexo, uma estratégia que incorporou elementos de uma abordagem feminista que vê a prostituição como uma violação das mulheres semelhante ao estupro. A prostituição de rua na Suécia caiu, mas a prostituição via internet aumentou, o que alguns sugerem que poderia ter acontecido independentemente da legislação. Além disso, organizações de trabalhadoras sexuais apontaram que a criminalização de seus clientes apenas as empurra para áreas mais escuras e menos frequentadas, tornando-as mais vulneráveis. As mulheres que trabalham nas ruas são as mais marginalizadas de todas as trabalhadoras sexuais e sofrem mais com essa legislação. O’Connell Davidson sugere que pedir ao Estado para penalizar compradores de sexo encorajou algumas feministas a forjar alianças com forças repressivas do Estado e forças reacionárias. Ela argumenta que isso envolveu:

“chefes de polícia pedindo poderes policiais mais amplos e políticas de sentença mais duras, políticos anti-imigração pedindo controles de fronteira mais rígidos e conservadores morais pedindo um retorno aos ‘valores familiares’.”39O’Connell Davidson, 2003, p55.

É muito difícil identificar os fatores que levam os homens a pagar por sexo: seus motivos são diversos e há muitos obstáculos para qualquer discussão aberta sobre o assunto. O “apostador” do mito popular é a figura triste e inadequada que não consegue se relacionar com mulheres. No entanto, Paying the Price, um documento de consulta governamental de 2004, descobriu que o cliente típico era “um homem de cerca de 30 anos de idade, casado, com emprego em tempo integral e sem condenações criminais”.40Paying the Price, 2004, documento de consulta do Home Office. Hoje, o número de homens que visitam prostitutas, ou admitem isso, está aumentando. O Independent cita um estudo de 2005, publicado no British Medical Journal, que descobriu que a proporção de homens britânicos pagando por sexo aumentou de 5,6% em 1990 para quase 8,8% em 2000. A dra. Helen Ward, autora principal do relatório, aponta para o aumento das taxas de divórcio, turismo sexual, como despedidas de solteiro, e a crescente disponibilidade de sexo comercial por meios como a internet como razões para o crescimento da participação masculina:

“É muito mais aceitável visitar uma prostituta. A indústria do sexo é muito mais visível. Qualquer pessoa com um telefone WAP ou um computador pode encontrar sexo para comprar. Faz parte da comercialização de tudo — hoje em dia, esperamos comprar o que quisermos quando quisermos.”41Independent, 8 de abril de 2007.

Os homens podem recorrer à compra de sexo porque trabalham muitas horas, estão isolados das redes sociais ou fazem parte de uma população transitória. Mas eles também são encorajados a pensar que deveriam estar fazendo sexo e que os corpos das mulheres são apenas mais uma mercadoria que pode ser comprada, como um carro ou uma TV de plasma. Não há nada de inevitável nessa situação. Como Julia O’Connell Davidson argumentou:

“Os seres humanos não nascem desejando comprar serviços sexuais comerciais ou visitar clubes de dança erótica, assim como não nascem com desejos específicos de jogar na loteria ou beber Coca-Cola. Eles precisam aprender a imaginar que seria prazeroso pagar uma estranha para dançar nua para eles; eles precisam ser ensinados que consumir tais serviços é um significante do fato de que estão se divertindo, um marcador de sua identidade social e status como ‘um homem de verdade’, ‘adulto’, ‘não gay’ ou o que quer que seja.”42O’Connell Davidson, 2006.

É a sociedade capitalista, com suas estruturas sociais sexistas e consumismo desenfreado, que é a educadora.

As respostas do Estado à indústria do sexo historicamente combinaram a repressão às prostitutas com o reconhecimento tácito de que a prostituição não pode ser erradicada e, portanto, deve ser regulamentada. Um dos exemplos mais notórios da primeira ocorreu em 1864, quando o governo britânico aprovou a primeira das três Leis de Doenças Contagiosas, que se aplicavam a 11 guarnições e cidades portuárias. As leis foram uma resposta aos níveis crescentes de doenças venéreas nas Forças Armadas, que eram tão cruciais para o Império Britânico. Elas permitiam que policiais prendessem mulheres que eles achavam que poderiam ser prostitutas e as forçassem a suportar um exame íntimo humilhante e doloroso em busca de sinais de doenças venéreas. Mulheres com tais doenças podiam ser confinadas em um “hospital de bloqueio” por até três meses. Todas as mulheres da classe trabalhadora nas cidades designadas eram vulneráveis a abusos e prisões. Uma campanha nacional forçou a revogação das Contagious Diseases Acts, mas as atitudes que eles incorporaram foram consagradas em outras legislações que se seguiram.

Hoje, a maioria das respostas estatais é enquadrada por duas perspectivas políticas opostas. A primeira vê a prostituição como moralmente repreensível e uma afronta à decência moral, que deve ser erradicada, e a segunda vê o sexo como uma mercadoria como qualquer outra e busca regular a indústria do sexo. Nenhuma delas funciona para reduzir a exploração envolvida na indústria do sexo.

Alguns ativistas, como o Coletivo Inglês de Prostitutas, apontam para a descriminalização da prostituição na Nova Zelândia, em 2003, como o modelo a ser imitado. Os ativistas apontam como a descriminalização beneficia as trabalhadoras sexuais ao melhorar sua capacidade de acessar serviços de saúde ou proteção policial e as atitudes gerais em relação a elas. No entanto, os resultados de experimentos com uma atitude mais tolerante à indústria do sexo têm sido objeto de disputas amargas. Por outro lado, o “modelo nórdico” de criminalização de clientes, que foi aclamado como um grande sucesso na redução significativa da prostituição visível, simplesmente levou essas atividades à clandestinidade, tornando-as mais perigosas para as mulheres que trabalham nelas. Embora devamos apoiar totalmente a descriminalização da prostituição, isso não significa que apoiamos que ela seja regulamentada e controlada pelo Estado. A intervenção do Estado na indústria do sexo não é, em última análise, a maneira de superar a cultura obscena e o sexismo que existem na sociedade, ou as condições materiais que fazem as mulheres escolherem a prostituição ou a dança erótica como a melhor alternativa aberta a elas.

No Reino Unido, o governo do New Labour tratava a prostituição como comportamento antissocial, emitia Ordens de Comportamento Antissocial (Asbo) para prostitutas e declarava regularmente “tolerância zero” para a prostituição de rua. Todas as tentativas de ajudar ou reabilitar profissionais do sexo eram formuladas dentro dessa estrutura punitiva. A polícia foi encorajada a trabalhar mais de perto com instituições de caridade que administram casas seguras, programas de extensão de saúde sexual e programas de tratamento de drogas e álcool para ajudar as mulheres a saírem do comércio sexual. No entanto, como parte desse processo, as mulheres podiam ser obrigadas por Asbos a participar de programas projetados para incentivá-las a obter ajuda com problemas de bebida ou drogas. Violar um Asbo podia incorrer em uma pena de prisão de até cinco anos, e um registro criminal tornava ainda mais difícil para as mulheres deixarem o comércio sexual.43Observer, 12 de agosto de 2007.

O governo do New Labour alegou estar preocupado com a situação das mulheres “traficadas”. O Poppy Project foi criado em 2003 com financiamento do Office for Criminal Justice Reform. Um relatório que eles publicaram, Big Brothel, foi muito criticado por 27 acadêmicos que pesquisam sobre a indústria do sexo, bem como organizações que representam ou trabalham com profissionais do sexo. Eles argumentam que ele é seriamente falho e produziu resultados sensacionalistas, que foram usados para introduzir uma legislação que coloca em risco mulheres migrantes e não-migrantes que vendem sexo.44Prostitution and trafficking – the anatomy of a moral panic“, The Guardian, 20 de outubro de 2009; Murray, 1998.

Abordagem policial em Hull, Inglaterra

Mais recentemente, o Policing and Crime Bill (2009) foi vendido como um projeto feminista benevolente por políticos como Harriet Harman. No entanto, nossa atitude em relação a essa legislação deve se basear em se ela protege as profissionais do sexo e suas famílias — o que não acontece. A definição mais severa de solicitação persistente (com “persistente” redefinido como duas vezes em um período de três meses), a “reabilitação” forçada dos presos, a segmentação de bordéis para batidas e fechamentos levará a prostituição ainda mais para a clandestinidade, aumentando a vulnerabilidade dos envolvidos. O medo da prisão impede as mulheres de denunciarem a violência ou obterem acesso à saúde e outros serviços. A maioria das trabalhadoras sexuais são mães que se preocupam em proteger seus filhos do estigma associado à criminalização e à separação que resulta de uma sentença de prisão. A legislação penalizaria as mulheres que trabalham em um apartamento. Em maio de 2009, o Royal College of Nursing votou 93% a favor de até quatro trabalhadoras sexuais serem autorizadas a trabalhar juntas legalmente, com base no fato de que a descriminalização removeria o estigma da prostituição, permitindo que as trabalhadoras do sexo acessassem os serviços de saúde de que precisam.

Medidas que impedem os homens de comprar sexo de prostitutas de rua são cada vez mais apresentadas e justificadas como medidas antitráfico. No entanto, enormes objeções foram feitas por grupos preocupados com a segurança, os direitos humanos e as liberdades civis de mulheres que trabalham nas ruas.45Action Alert: How to oppose the Policing and Crime Bill”, English Collective of Prostitutes, 4 de abril de 2009. Com relação às mulheres “traficadas”, a regulamentação do sexo comercial não faz nada por si só para neutralizar o racismo, a xenofobia ou o preconceito contra migrantes e grupos étnicos minoritários. O fim dos controles draconianos de imigração e a concessão de asilo a essas mulheres, no entanto, imediatamente minariam o “tráfico”.

Conclusão

Aqueles que são explorados têm o potencial de desafiar sua alienação por meio da luta coletiva, que expõe as realidades ocultas de como o mercado domina nossas vidas e onde está o verdadeiro poder de mudança. Em última análise, os trabalhadores têm o potencial de criar uma sociedade socialista, na qual os seres humanos exercem controle democrático e coletivo sobre sua sociedade e todos os aspectos de suas vidas, incluindo seus relacionamentos sexuais.

A exploração de mulheres que trabalham nas ruas poderia ser amenizada por programas de reabilitação com recursos reais e tratamento para dependência de drogas. A prisão não cura o vício em drogas e certamente não dá às mulheres uma saída da prostituição. Para reduzir o número de mulheres envolvidas na prostituição, o governo deve desenvolver iniciativas que ofereçam treinamento e emprego para mulheres e fornecer aconselhamento de reabilitação e apoio para mulheres que estão emocionalmente danificadas e viciadas em drogas e álcool. Mulheres que trabalham na rua devem ser libertadas do fardo das condenações por solicitação, permitindo que se candidatem a empregos fora da prostituição. Descriminalizar a prostituição e oferecer asilo a todas as mulheres traficadas teria um enorme impacto na vida de muitas dessas mulheres.

Uma alternativa real para mulheres que trabalham na indústria do sexo em geral não pode ser divorciada da luta por oportunidades reais no mercado de trabalho e da luta por creches de boa qualidade e acessíveis e educação superior gratuita. As mulheres podem “escolher” trabalhar em linhas de bate-papo para adultos ou como dançarinas exóticas, porque a realidade de suas vidas cotidianas é que isso se encaixa melhor com cuidar de famílias ou estudar do que as alternativas mal pagas ou inflexíveis oferecidas.

No entanto, embora a reforma da indústria possa ajudar as mulheres, o objetivo de tais reformas deve ser reduzir a dependência das mulheres na venda de sexo e sexualidade, não normalizar ou legitimar essa troca. “Trabalho sexual” não é um trabalho como qualquer outro. Não é apenas um sintoma dos aspectos mais degradantes e alienados da vida sob o capitalismo, mas também reforça essa degradação e alienação. Muitos empregos que as pessoas fazem hoje ainda teriam que ser feitos em uma sociedade socialista, mas acreditamos que a pobreza, a alienação e a opressão que criam as condições nas quais a indústria do sexo floresce desapareceriam. A mercantilização do sexo priva as pessoas de escolha e realização em suas vidas sexuais. A representação da sexualidade exibida em clubes de dança erótica ou “revistas de rapazes” não promove a liberdade sexual — torna essa liberdade mais difícil de ser alcançada. Os seres humanos têm o potencial de estabelecer relacionamentos sexuais genuinamente gratificantes e livres. Como Friedrich Engels disse:

“Assim, pois, o que podemos conjecturar hoje acerca da regularização das relações sexuais após a iminente supressão da produção capitalista é, no fundamental, de ordem negativa, e fica limitado principalmente ao que deve desaparecer. Mas o que sobreviverá? Isso se verá quando uma nova geração tenha crescido: uma geração de homens que nunca se tenham encontrado em situação de comprar, à custa de dinheiro, nem com a ajuda de qualquer outra força social, a conquista de uma mulher; e uma geração de mulheres que nunca se tenham visto em situação de se entregar a um homem em virtude de outras considerações que não as de um amor real, nem de se recusar a seus amados com receio das consequências econômicas que isso lhes pudesse trazer. E, quando essas gerações aparecerem, não darão um vintém por tudo que nós hoje pensamos que elas deveriam fazer. Estabelecerão suas próprias normas de conduta e, em consonância com elas, criarão uma opinião pública para julgar a conduta de cada um. E ponto final.”46Engels, 1964, capítulo II-4


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Notas

  • 1
    Times Higher Education, 11 de dezembro de 2008, revisando o trabalho da dra. Teela Sanders.
  • 2
    Bernstein, 2001.
  • 3
    Gall, 2006.
  • 4
  • 5
    Gall, 2006, p35.
  • 6
    Ringdal, 2004.
  • 7
    Ringdal, 2004.
  • 8
    Kollontai, 2018 [1921].
  • 9
    Kollontai, 2018 [1921].
  • 10
    Mayhew, 1861.
  • 11
    Goldman cita Alfred Blaschko, em “Prostitution im 19. Jahrhundert” (A prostituição no século 19), de 1902.
  • 12
    Kollontai, 2018 [1921].
  • 13
    Ringdal, 2004.
  • 14
    Gibson, 1986.
  • 15
    Avgerinos, 2007.
  • 16
    Avgerinos, 2007.
  • 17
    “50,000 Iraqi refugees” forced into prostitution, Independent, 24 de junho de 2007.
  • 18
    Bebel, 1879 e Engels, 1964.
  • 19
    Bebel, 1879 e Engels, 1964.
  • 20
    Davidoff, 1995.
  • 21
    Kollontai, 2018 [1921].
  • 22
    Marx, 1975, p356. “Terceiro Manuscrito – Necessidades, Produção e Divisão do Trabalho”. N. do T: Na verdade, o trecho é muito mais longo do que o citado por Pritchard: “Dentro do sistema da propriedade privada, ela tem o significado diametralmente oposto. Cada homem especula sobre a criação de uma nova necessidade no outro a fim de obrigá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo sob nova dependência, e induzi-lo a um novo tipo de prazer e, em consequência, à ruína econômica. Todos procuram estabelecer um poder estranho sobre os outros, para com isso encontrar a satisfação de suas próprias necessidades egoístas. Com a massa de objetos, por conseguinte, cresce também o reino de entidades estranhas a que o homem se vê submetido. Cada novo produto é uma nova potencialidade de mútua fraude e roubo. O homem torna-se cada vez mais pobre como homem; ele tem necessidade crescente de dinheiro para poder apossar-se do ser hostil. O poder de seu dinheiro diminui na razão direta do aumento do volume da produção, isto é, sua necessidade cresce com o poder crescente do dinheiro. A necessidade de dinheiro é, pois, a necessidade real criada pela economia moderna, e a única necessidade por esta criada. A quantidade de dinheiro torna-se cada vez mais sua única qualidade importante. Assim como ele reduz toda entidade a sua abstração, também se reduz a si mesmo, em seu próprio desenvolvimento, a uma entidade quantitativa. Excesso e imoderação passam a ser seu verdadeiro padrão. Isso é demonstrado subjetivamente, em parte pelo fato de a expansão da produção e das necessidades tornar-se uma subserviência engenhosa e sempre calculista a apetites desumanos, depravados, antinaturais e imaginários. A propriedade privada não sabe como transformar a necessidade bruta em necessidade humana; seu idealismo é fantasia, capricho e ilusão. Nenhum eunuco lisonjeia a seu tirano de forma mais desavergonhada nem procura por meios mais infames estimular seu apetite embotado, a fim de granjear algum favor, do que o eunuco da indústria, o homem de empresa, a fim de adquirir algumas moedas de prata ou de atrair o ouro da bolsa de seu amado próximo. (Todo produto é uma isca por meio da qual o indivíduo tenta engodar a essência da outra pessoa, o dinheiro desta. Toda necessidade real ou potencial é uma fraqueza que atrairá o passarinho para o visgo. A exploração universal da vida humana em comunidade. Como toda imperfeição do homem é um vínculo com o céu, um ponto em que seu coração é acessível ao sacerdote, assim também toda necessidade material é uma oportunidade para a gente aproximar-se do próximo, com uma atitude amistosa, e dizer: ‘Caro amigo, dar-lhe-ei aquilo de que você precisa, mas você conhece a conditio sine qua non . Você sabe qual tinta tem de usar para entregar-se a mim. Eu o trapacearei ao proporcionar-lhe satisfação.’) O homem de empresa concorda com os mais depravados caprichos de seu próximo, desempenha o papel de alcoviteiro entre ele e suas necessidades, desperta apetites mórbidos nele e presta atenção a cada fraqueza a fim de, posteriormente, reivindicar a remuneração por esse serviço de amor.”
  • 23
    Marx, 1975, p351.”Terceiro Manuscrito – Propriedade Privada e Comunismo”.
  • 24
    Levy, 2006, p22.
  • 25
    Levy, 2006 p158.
  • 26
    Anderson, 1993, citada em Van der Veen, 2001.
  • 27
    Kollontai, 2018 [1921].
  • 28
    O debate é descrito em Ringdal, 2004, p267.
  • 29
    O’Connell Davidson, 2006.
  • 30
    Downe, 1999; Kempadoo e Doezema, 1998.
  • 31
    Hardy, 2010.
  • 32
    Hardy, 2010.
  • 33
    Hardy, 2010.
  • 34
    Joan Smith: “Another expenses scandal – in lap-dancing clubs”, Independent, 20 de setembro de 2009.
  • 35
    London Evening Standard, 17 de agosto de 2007.
  • 36
    Daily Mirror, 9 de julho de 2003.
  • 37
  • 38
    Action Alert: How to oppose the Policing and Crime Bill”, English Collective of Prostitutes, 4 de abril de 2009, e “Prostitution Clauses Policing And Crime Bill 2009 – ECP”, Women in London, 9 de novembro de 2009.
  • 39
    O’Connell Davidson, 2003, p55.
  • 40
    Paying the Price, 2004, documento de consulta do Home Office.
  • 41
    Independent, 8 de abril de 2007.
  • 42
    O’Connell Davidson, 2006.
  • 43
    Observer, 12 de agosto de 2007.
  • 44
    Prostitution and trafficking – the anatomy of a moral panic“, The Guardian, 20 de outubro de 2009; Murray, 1998.
  • 45
    Action Alert: How to oppose the Policing and Crime Bill”, English Collective of Prostitutes, 4 de abril de 2009.
  • 46
    Engels, 1964, capítulo II-4

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