São Paulo: sem trabalho, profissionais do sexo trans passam a mendigar para sobreviver
‘A população trans não tem o hábito de guardar dinheiro por ter ideia de que vai morrer jovem’, lamenta presidenta de associação de travestis.
Por Paulo Eduardo Dias para Ponte Jornalismo. Ilustração de Junião/Ponte Jornalismo.
“Parece que estão com medo da gente”, conta a profissional do sexo Sofia da Silva, de 26 anos, sobre os clientes que deixaram de aparecer.
Inicialmente tímida, Sofia vai se abrindo quando começa a falar dos percalços que enfrenta, exibindo um sorriso largo que exibe a perfeição de seus dentes brancos. Conta que fazia ponto na região central da cidade de São Paulo, faturando até R$ 60 por dia.
Os homens que costumavam procurá-la, geralmente com mais de 40 anos, contudo, desapareceram em meio à pandemia do novo coronavírus. “Trabalho na Luz e no Parque Dom Pedro, a gente está lá e não passa ninguém. Não chegam nem perto da gente”, conta. Sobre o que sente mais falta de comprar com o dinheiro que recebia pelo programas, é taxativa: “maquiagem, produtos de higiene, xampu e condicionador”.
Sofia e outras mulheres trans profissionais do sexo estão reunidas, no final da tarde de terça-feira (31/3), ao redor de uma televisão em um espaço denominado Atende, administrado pela Prefeitura de São Paulo, no cruzamento da Rua Helvétia com a Alameda Cleveland, nos Campos Elíseos, uma das regiões mais degradadas da cidade mais rica do país. Ali, juntas a uma centena de pessoas, elas podem usar o banheiro e se alimentar, já que o local possui mesas e bancos de concreto, além de cortar o cabelo e participar de oficinas.
Não é fácil ficar naquele espaço. Tanto pelo odor, uma mistura de roupa úmida, urina, e fezes, como pela situação de vida, com pessoas dormindo no chão, brigas de casais a todo momento, além de ração para animais espalhadas pelo chão.
Mesmo com a pandemia, o fluxo de venda de drogas segue a todo vapor no bairro, com homens e mulheres de passos apressados passando de um lado para o outro, alguns com cachimbos nas mãos. As vendas no “shopping cracolândia”, em que são expostas em lonas no chão roupas usadas para crianças e adultos, dá o tom do desespero para conseguir um trocado.
De longe, uma aglomeração de guardas civis metropolitanos usando máscaras acompanha a movimentação. Apenas os guardas e pessoas que prestam algum auxílio aos moradores de rua, como doadores de comida, vestem máscaras.
“Final dos tempos”
Conversando com a reportagem, as mulheres trans, pobres e pouco escolarizadas, contam que muitas encontraram na prostituição a sua única oportunidade de sustento, mas que nos últimos dias viram até essa possibilidade desaparecer. Enquanto algumas se envolvem com pequenos delitos, conforme uma delas contou à reportagem, existem aquelas que passaram a “manguear”, ou seja, pedir dinheiro em semáforos ou na rua.
É o caso de Carola Bittencourt, de 23 anos. A mulher trans, negra de cabelos encaracolados, que faz ponto na centro, se alternando entre Luz, Largo do Arouche e Praça da República, afirma estar “com medo de ser o final dos tempos”.
“Está muito difícil. Não fiz nada até agora. Tem final de semana que bomba. Esse último não tinha uma alma”, conta. Carola conseguia entre R$ 80 e R$ 90 num dia considerado bom, no entanto, desde a quarentena tem obtido de R$ 10 a R$ 15.
Ao lado dela, Ágata Marçal, 24 anos, toma um prato de sopa entregue por uma das entidades que diariamente oferecem auxílio aos moradores de rua da região. Maquiada e com brilho nos lábios, conta que mora em uma pensão na região e que faz programa no entorno da USP (Universidade de São Paulo), no Butantã, zona oeste. “Diminuiu bastante. Tinha final de semana que conseguia entre R$ 300 a R$ 500. Hoje não faço nem R$ 100. Estou dependendo de doações.”
Ágata afirma ter medo do coronavírus, mas que está se precavendo para não adoecer, sustentando que deixou de ir trabalhar no Butantã para evitar aglomeração no metrô. “Uso álcool em gel quando tem, mas estou lavando as mãos toda hora. Está sendo a pior fase para ganhar dinheiro. Não imaginava que o coronavírus iria agredir tanto o trabalho da gente”, diz.
A reportagem da Ponte já deixava o local quando foi apresentada a Heloise Delamer, de 28 anos. Mesmo falando pouco, a moça resume como está a sua situação e de tantas outras mulheres trans pobres : “Nesses dias não fiz nem para a cachaça.”
As dificuldades das mulheres trans profissionais do sexo durante a pandemia de covid-19 preocupam a presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), Keila Simpson Sousa, de 54 anos, que vê no auxílio do governo a única solução para que não morram de fome. “Precisamos resolver logo essas ajudas que estão vindo dos órgão governamentais, porque essa vai ser, talvez, a única alternativa que vamos ter para a população trans sobreviver nesse período de pandemia”, pontua.
Para Keila, as trans que ganham a vida através da prostituição “estão à mercê”. “Muitas delas não têm renda, não tinham dinheiro guardado esperando exatamente isso. A população trans não tem esse hábito de guardar dinheiro. Como tem uma ideia de que vão morrer muito jovem, elas não se preocupam com o futuro”.