Montse Neira: “Se nós, putas, falássemos, a instituição idílica do casamento entraria em colapso”
Publicado originalmente em 20 Minutos
Montse Neira, 52, exerce a prostituição há 22 anos e acaba de desvelar sua vida em um livro. “Apesar de não ser uma profissão idílica”, diz ela, permitiu-lhe “que saísse da pobreza, fosse feliz e estudasse.”
Neira, que há poucos anos formou-se em Ciência Política na Universidade Autônoma de Barcelona, explicou: “As prostitutas são mulheres como as outras, com os mesmos desejos e necessidades, com a nossa família, os nossos filhos e os nossos problemas, e nosso único pecado é o desejo de deixar de ser pobre”. “A sociedade tem nos estigmatizado e considerado escória em grande parte pela moral judaico-cristã vigente”, disse a escort Neira, que antes de divulgar a sua profissão e sua identidade trabalhava sob o nome de Marien.
Em seu livro, Una mala mujer, publicado por Plataforma Editorial, Neira mostra alguns dos prós e contras da profissão mais antiga do mundo, longe da abordagem sórdida e miserável que muitas vezes se reflete na mídia. Em uma história admirável a prostituta, que começou em lugares decadentes, deixou-se enganar por cafetões, passou a atuar em lugares melhores até conseguir tornar-se independente, descreve uma infância marcada pela infelicidade e pobreza: estupro aos 12 anos, um pai alcoólatra, várias mágoas e empregos precários. Depois de um casamento fracassado, desempregada, encontrou um anúncio na sessão ‘relax’ de classificados e a partir daí começou a exercer a profissão em um apartamento de encontros – e descobrir que as mulheres que ali trabalhavam não eram piores do que as companheiras que antes havia conhecido em outras profissões. E descobriu algo mais: “Há no mundo não só a carência de sexo mas a de afeto, e se as putas falássemos, a instituição idílica do matrimônio entraria em colapso”, destaca Montse Neira.
“A prostituição é um pacto entre adultos no qual se dá sexo e afeto em troca de dinheiro – todo o resto é crime”, define Neira sobre sua profissão, e pede a regulamentação (do trabalho sexual) para que os empresários do setor não possam livremente impor suas condições às trabalhadoras sexuais.
Montse Neira incentiva a todas as prostitutas “que não se envergonhem, que não tenham medo de ser julgadas pelos demais por que as pessoas que gostam delas seguirão gostando, e sobretudo que não tenham medo por que não estão fazendo nenhum mal”.
Ativista social e política
Desde que se formou em Ciências Políticas, Neira mescla seu trabalho sexual com um ativismo social e político a favor das prostitutas que trabalham na rua ou em piores condições que ela e participa ativamente, dentre outras, da campanha contra o endurecimento da ordenança cívica de Barcelona, que proibirá a prostituição nas ruas.
Sua reivindicação é que os políticos “reconheçam a forma jurídica das trabalhadoras sexuais” e alimenta diariamente um blog sobre prostituição.
Montse Neira é uma das poucas prostitutas na Espanha que atende a pessoas descapacitadas tanto psíquica quanto fisicamente. Pessoas em cadeiras de rodas, com síndrome de Down, com paralisia cerebral aguda, com nanismo ou outras descapacidades formam parte de sua clientela, com o que cumpre uma função social dissimulada e quase clandestina, que é atender as necessidades afetivas e sexuais deste coletivo.
Em seu livro narra, por exemplo, o caso da mãe de um garoto com síndrome de Down que lhe agradeceu enormemente o carinho que havia dedicado a seu filho. “As necessidades das pessoas descapacitadas são um aspecto que nunca se leva em conta nos debates sobre prostituição, apontou a meretriz.
E por que o título Una mala mujer? “Por três razões: porque quando meu filho soube, aos 17 anos, que cobrava por sexo, me disse que eu era má, porque a sociedade crê que as putas somos más, e porque muitos homens, quando se veem dominados pela excitação, gritam “como você é má!”.
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