Filmamos fantasias sexuais (descubra o porquê aqui)
Texto de Gabriela Wiener, publicado originalmente em El País
Tenho uma cena com Amarna Miller em um filme pornográfico. Ainda que os diretores a adorem por seu aspecto de garota boazinha, foi seu talento expandido de playmate e poeta admiradora de Leopoldo Panero que a transformou na preferida dos modernos, na Sasha Grey espanhola. Ter uma cena com Amarna em junho de 2015 é como se em 2005 a estrela do pornô espanhol Nacho Vidal passasse a mão na sua bunda.
Então, estamos bem, chegando ao ponto. Na cena estou sentada em uma sala de espera. Seguro um livro. Amarna está vestida e isso causa uma sensação estranha; atravessa a porta envidraçada com uma cesta na qual leva o capacete da bicicleta e uma baguete, eterno símbolo fálico. “Vai fazer depilação com cera?”, a recepcionista pergunta, mal-educada. Amarna confirma. Aqui entra minha parte. Meu papel é quando as pessoas costumam apertar o forward: a história, a parte sem pornô de um filme pornô. Vejo a atriz hipster se aproximar, balançando seu curto rabo de cavalo ruivo, senta-se ao me lado, roça o tecido que cobre meu quadril, olha por cima do meu ombro o que estou lendo. E corta. Erika Lust quer repetir a cena.
Estou no set montado em uma antiga oficina mecânica da Praça Tetuán, no centro de Barcelona. Me sinto dentro do filme Vicky Cristina Barcelona. Os gringos têm esse não sei o que no olhar. Colocam música espanhola e comida de mentira no roteiro. Não poderia ser outra a não ser uma sueca patricinha, linda e feminista a fazer pornô de bom gosto. Eu achava que não havia necessidade, mas ela persistiu em sua concepção de mundo nórdica e hoje grava dois filmes de pornô cool por mês, tem em seu elenco uma dezena de mulheres e milhares de seguidores pelo mundo que apreciam sua escolha de atores e atrizes não (totalmente) normativos, o protagonismo de uma mulher sexualmente empoderada e sua estética de apartamento do Borne. O rótulo pornô para mulheres ficou para trás – algo como Sex And The City, mas com sexo de verdade – que a tornou célebre. 60% dos que veem seus filmes são homens, “o pornô não é uma questão de gênero, mas de sensibilidade”, diz.
Duas garotas enchem uma banheira com cubos de gelo. Aqui será filmado um novo curta-metragem da XConfessions, a rede social criada por Lust na qual os usuários compartilham anonimamente seus desejos e segredos sexuais. A diretora escolhe duas fantasias por mês para devolvê-las transformadas não em realidade, mas em cinema com sexo explícito através do site homônimo. O espírito é o do script colaborativo ou crowdsourced. Imagine pessoas de todo o mundo masturbando-se em suas casas com algo criado nos meandros de sua imaginação. Legal.
Josephine15 me enviou sua confissão, An appointment with my master, na qual revelou seu desejo: “Gostaria de ter um encontro com um mestre de BDSM [Bondage, Disciplina, Sadomasoquismo] uma vez por mês, como se faz com um dentista ou cabeleireiro. Voltar para casa relaxada, fazer o jantar e ler uma história para meus filhos antes de me deitar.” Com certeza Lust visualizou a mulher normal, jovem, mãe, que em meio a suas tarefas diárias marca um horário “para depilação”, mas na verdade espera ver gotas quentes de uma vela derretidas nos mamilos. E é nessa que estamos. Por isso Amarna espera seu homem, sua lição semanal, como alguém esperaria na porta da esteticista. Com dinheiro e, sobretudo, sem amor.
A maquiadora se esforça com o make-up da bunda de Miller. Ela solta frases de backstage: “Quase tudo me dá alergia”. “Sou poliamorosa”. “Não sou submissa, sou um pouco masoquista, gosto é de me rebelar”. “Sou viciada em abacaxi”. “Não me depilo”. Ela se move de um lado ao outro do set com o problema do cinto que puxa seus pelos púbicos. E é complicado tentar ajudá-la. Fala com Mickey Mod, o ator negro que hoje será seu parceiro, lhe dá um beijo, riem, o aquecimento consiste em envolver-se. Os dois trabalharam para a Kink.com, o site de glam porn sadomasoquista no qual meu marido é viciado. De modo que Lust deixa seus especialistas improvisarem. Me sento ao seu lado. Na tela diante de nós vemos Mickey e Amarna na cama; se giro minha cabeça um pouco posso vê-los a poucos metros de nós. O pornô real. Quinze mulheres absortas no set. Isso é o mais parecido com se masturbar com quem você vai para a cama. Mickey coloca Amarna em um baú, passa um instrumento dentado em seu mamilo, deixa cair grossas lágrimas de cera vermelha sobre seus peitos, dá boas palmadas em seus seios, no rosto e na vagina. O set de mulheres se enche de ohs e ahs solidários. A bunda de Amarna sofreu os golpes do chicote e está avermelhada. Então, ela parece ter um orgasmo. O mesmo ocorre com ele. Os minutos passam. Sua própria mão faz o trabalho. Está demorando. Várias de nós bocejamos. A cena do orgasmo precisará de uma boa edição. A vida real.
Minha cena com Amarna Miller já está no XConfessions.com desde 15 de julho. Isso não é minha fantasia, é meu spoiler. O livro que leio de acordo com o roteiro é Cinquenta Tons de Cinza. Já tentei uma vez e é doloroso. Existem coisas que doem mais do que um gato de nove rabos (espécie de chicote). Ação. Amarna senta-se a meu lado, reconhece o livro, me estuda com condescendência e me diz ressabiada: “Você é nova, não?” No filme eu represento a escala mais baixa da iniciada, a que lê “pornô para mães”. Através de meu personagem, Lust dialoga com a obra de E.L. James. Na realidade, a repreende por ter enganado as mulheres. Diz que ela a decepcionou, que ao invés de encontrar uma história erótica, encontrou em suas páginas a típica história romântica na qual uma mulher se apaixona por um homem e por medo de perdê-lo aceita seu estilo de vida “doente”, sem que ela mesma se sinta motivada a descobrir outras facetas de sua sexualidade. O sexo liberta as protagonistas de Erika. E escraviza as de James. Minha personagem está a ponto de descobri-lo, jogar o livro no lixo e fazer a depilação. Mas isso não será visto no filme. Na cena digo “sim” a Amarna e escondo minha cabeça atrás do livro.