Direitos

Controle da prostituição e ataque aos direitos de migrantes

Por Amara Moira, publicado originalmente na Revista AzMina

A Holanda não quis criar um ambiente seguro pra profissionais do sexo, mas sim lucrar em cima desse trabalho e definir que pessoas e de que forma poderiam exercê-lo no país.

Prostituição de rua é proibida lá, impostos altíssimos sobre a atividade regulamentada, aluguel absurdo das vitrines, aí o Red Light District se tornando cada vez mais circo, turistas e mais turistas se avolumando na frente das portas pra acompanhar a negociação entre cliente e acompanhante (turistas que não trazem renda alguma a essas prostitutas, aliás), aí vem proposta de lei querendo obrigar acompanhantes que trabalham em casa a colocar na porta, assim como quem é médico e advogado, plaquinha avisando sobre a atividade exercida naquele espaço (o que faria muito mal aos negócios, pois sabemos o quanto a prostituição ainda precisa de sigilo e discrição pra se tornar rentável).

Qual o resultado? Vai se tornando inviável exercer a prostituição em conformidade às leis na Holanda, obrigando mais e mais profissionais a irem pra ilegalidade.

No fundo, a questão são migrantes, seja na Holanda e Alemanha, que se propuseram a pensar a regulamentação, seja na França, Canadá, Irlanda do Norte e Suécia, que preferiram o modelo que criminaliza o cliente. Quanto melhores as condições econômicas no país ou região, mais esses espaços terão que criar formas de inviabilizar a entrada e permanência de migrantes e, nesse sentido, é preciso muita atenção para com a prostituição, atividade que é fácil de se exercer na ilegalidade, sem carteira assinada, sem experiência profissional anterior.

Vejam também, além disso, como pode ser conveniente para esses países falar em “tráfico de pessoas” pra conseguir fechar ainda mais suas fronteiras e expulsar quem por acaso tenha conseguido entrar (e aqui não estou querendo dizer que não exista tráfico de pessoas, mas sim que ele pode ser a desculpa xenófoba perfeita pra todo tipo de ataque aos direitos dessas populações).

Garantir os direitos de prostitutas, mas de todas as prostitutas e não só das com cidadania reconhecida, tem relação direta com a defesa do direito de migrar, de fugir das condições adversas que a pessoa enfrenta na sua região de origem. Eis o fato que boa parte dos feminismos não quer ver, preferindo ao invés disso comprar a ideia de que criar obstáculos ao exercício da prostituição (vulgo “criminalizar o cliente”) significa automaticamente lutar contra a mercantilização do corpo da mulher.

Falam tanto das transformações que o Bolsa-Família trouxe ao botar dinheiro na mão de mulheres, mas parece que o dinheiro, quando vem da prostituição, não pode ser tratado da mesma forma. E nisso esquecem o quanto a prostituição muitas vezes é a forma que a pessoa encontrou pra fugir de relações abusivas, pra criar filhos, família, pra poder existir pra além do que lhe criaram pra ser.

Não tenho nada, absolutamente nada, contra quem acredite que o melhor a fazer é acabar com a prostituição, mas gostaria que, se a pessoa de fato acreditasse nisso, que ela convencesse prostitutas disso e ajudasse a fazer com que nós mesmas nos organizássemos ao redor da ideia e fôssemos protagonistas dessa luta.

Enquanto pessoas que jamais se prostituíram, que jamais se prostituirão, encabeçarem esse movimento, infelizmente ele não fará qualquer sentido.


Amara Moira é travesti pan puta, feminista antes de mais nada, e escritora dessas de batom na boca e sem papas na língua. Militante dos direitos de LGBTs e de profissionais do sexo, no tempo que sobra ainda faz doutorado em teoria literária pela Unicamp, para o desespero do patriarcado.