Como usar entrelinhas de anúncios para oferecer serviços sexuais (ou: o que prostitutas portuguesas do início do século XX podem ensinar aos ‘abolicionistas’ argentinos)
Uma das mais recentes propostas antiprostituição em pauta na Argentina é o chamado Projeto Larroque, que pretende proibir qualquer tipo de anúncio de serviços sexuais, inclusive na internet.
Como abolicionistas não costumam estudar a história da prostituição, não sabem que as prostitutas de outrora já tiveram que lidar com empecilhos desse tipo, e saíram-se muito bem na tarefa.
Em Portugal, no início do século XX, os “bons costumes” não permitiam a publicação de anúncios de serviços sexuais, mas isso não impedia que eles aparecessem nas páginas dos periódicos, sempre nas entrelinhas.
Pedro Osório, autor de Lisboa (1919), menciona anúncios publicados no Diário de Notícias em que uma mulher, “não idosa”, “pede um empréstimo para o aluguel da casa”; e em que outra mulher, também “não idosa”, “pede a um homem de respeito a proteção de seis mil réis por mês”.
A. F. de Sampaio, autor de Lisboa Trágica (1910), cita a “criatura viúva que se oferece para mulher a dias”; a oferta de “quarto para homem só”; “a senhora nova que necessita quarenta mil réis emprestados para pagar em prestações, dando como juro quarto e comida”.
E Júlio Guimarães registra, em Fados para rir, trecho de um “faduncho” que se refere a anúncios desse tipo, tão frequentes na imprensa da época, facilmente compreensíveis para quem soubesse ler as entrelinhas:
“Na rua Marquês Barreiro
Aluga, dama decente
Um salão independente
A idoso cavalheiro…”