Anistia Internacional adota resolução histórica pela descriminalização
Reunido desde o dia 7 em Dublin, na Irlanda, o Conselho da Anistia Internacional adotou nesta terça-feira uma resolução histórica: a de apoiar a descriminalização do trabalho sexual. Ao fazer isso, a Anistia endossa algumas das teses centrais do movimento das trabalhadoras sexuais, reunidas nos lemas “Trabalho sexual é trabalho”, “Direitos das trabalhadoras sexuais são direitos humanos” e “Direitos sim, resgate não”.
A decisão culmina um processo de discussão que durou dois anos e, nos últimos meses, foi tema de acaloradas campanhas pró e contra. Algumas atrizes de Hollywood assinaram na semana passada um documento em que reproduziam o argumento de que descriminalizar só beneficiaria uma indústria bilionária.
Esse mesmo argumento foi defendido em vários artigos na grande imprensa, incluindo um editorial do Guardian e uma coluna de Nicholas Kristof no New York Times. Na França, o Libération publicou um artigo do movimento Femen contra a proposta que era examinada pela Anistia – sem se dar ao trabalho de dar espaço às trabalhadoras. A revista socialista britânica New Statesman publicou um belo artigo de Margaret Corvid defendendo a descriminalização. No Twitter, os defensores da proposta da Anistia (que vazou na imprensa poucos dias antes de ser votada) usaram o hashtag #ICM2015.
As revistas Jezebel e The Week trazem mais detalhes sobre as campanhas contrárias, além de muitos comentários contra e a favor.
A Jezebel inclui um vídeo sobre a campanha contrária, no qual Gauri van Gulik, vice-diretora da Anistia Internacional para Europa, diz que a organização não esperava uma reação contrária tão violenta: “Ficamos muito surpreendidos [pelo abaixo-assinado das celebridades]. De um lado, ele realmente caracteriza erradamente a política que estamos mirando. Estamos focados em como podemos manter os trabalhadores sexuais seguros, como podemos empoderá-los para que eles tenham acesso a seus direitos e como podemos assegurar que eles tenham acesso a serviços de saúde.”
Gulik também explica que “a desigualdade de gênero não é resultado do comércio de sexo, mas algo que empurra mulheres ao trabalho sexual”. E enquanto o trabalho sexual for ilegal, essas mulheres enfrentam perigos ainda maiores. “Você não pode punir aquelas que são levadas ao trabalho sexual com a criminalização e com a remoção dos direitos delas”, diz Gulik.
Kate D’Adamo, advogada de Políticas Nacionais do Sex Workers Project, disse ao The Daily Dot que o que aconteceu foi um diálogo pioneiro sobre aquilo de que as trabalhadoras sexuais precisam para desempenhar seu trabalho com segurança: “Uma das coisas que vimos aqui e que foi realmente novidade é que a conversa aconteceu entre a Anistia e as pessoas mais afetadas pelas políticas. A Anistia mostrou que presta contas às pessoas a quem serve.”
Vamos ao anúncio oficial feito pela Anistia Internacional:
“Uma votação crucial para proteger os direitos humanos dos trabalhadores sexuais foi aprovada hoje em Dublin no fórum de decisões da Anistia Internacional, a Reunião do Conselho Internacional (ICM). Delegados de todo o mundo adotaram uma resolução que autoriza o Conselho Internacional a desenvolver e adotar uma política sobre a questão.
“‘Trabalhadores sexuais são um dos grupos mais marginalizados no mundo que, na maioria das circunstâncias, estão diante de risco constante de discriminação, violência e abuso. Nosso movimento global pavimentou o caminho para adotar uma política para a proteção dos direitos humanos dos trabalhadores sexuais que ajudará a dar forma ao trabalho futuro da Anistia Internacional sobre essa questão importante’, disse o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty.
“A resolução recomenda que a Anistia Internacional desenvolva uma política que apoie a descriminalização completa de todos os aspectos do sexo consensual. A política também exortará os Estados a assegurarem que os trabalhadores sexuais desfrutem de proteção legal total e igual da exploração, do tráfico e da violência.
“‘Nós reconhecemos que essa questão crítica de direitos humanos é enormemente complexa e é por isso que tratamos dessa questão desde a perspectiva dos padrões internacionais dos direitos humanos. Nós também consultamos nosso movimento global para trazer a bordo visões diferentes de todo o mundo’, disse Salil Shetty.
“As pesquisas e consultas realizadas no desenvolvimento dessa política nos últimos dois anos concluíram que esta era a melhor maneira de defender os direitos humanos dos trabalhadores sexuais e diminuir o risco de abusos e violações que eles enfrentam.
“As violações a que trabalhadores sexuais podem ser expostos incluem violência física e sexual, prisão e detenção arbitrárias, extorsão e assédio, tráfico humano, testes forçados de HIV e intervenções médicas. Eles também podem ser excluídos dos serviços de saúde e de moradia e de outras proteções sociais e legais.
“A política foi formulada a partir de uma base extensa de evidências, de fontes que incluíram agências da ONU, tais como a Organização Mundial da Saúde, a Unaids, a Mulheres da ONU e o Relator Especial da ONU Sobre o Direito á Saúde. Também conduzimos pesquisas em quatro países.
“As consultas incluíram grupos de trabalhadores sexuais, grupos representativos de sobreviventes da prostituição, organizações abolicionistas, representantes feministas e outras representantes dos direitos das mulheres, ativistas LGBTI, agências antitráfico e organizações de HIV/Aids.
“A Anistia Internacional considera o tráfico humano revoltante em todas as suas formas, inclusive a exploração sexual, e que ele deveria ser criminalizado como assunto de lei internacional. Isso está explícito nesta nova política e em todo o trabalho da Anistia Internacional.
“‘Este é um dia histórico para a Anistia Internacional. Não foi uma decisão tomada facilmente ou rapidamente, e nós agradecemos a todos os nossos membros em todo o mundo, assim como a todos os muitos grupos que consultamos, por sua importante contribuição para esse debate. Eles nos ajudaram a alcançar uma decisão importante, que dará forma a essa área de nosso trabalho pelos direitos humanos no futuro’, disse Salil Shetty.”
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