“A pobreza é objetificante, degradante e punitiva”
A Universidade Aberta das Trabalhadoras Sexuais (SWOU, do Reino Unido) publicou uma declaração sobre o trabalho sexual, a questão da pobreza e o chamado Modelo Sueco de criminalização dos clientes. Leia a declaração:
Tem havido um movimento recente para criminalizar os clientes de trabalhadoras sexuais. Frequentemente, aqueles que defendem essa lei citam a pobreza como uma forma de repressão econômica, que empurra as pessoas a venderem sexo e retira suas escolhas. Eles argumentam que isso significa que o consentimento dado por trabalhadoras sexuais não é dado de livre e espontânea vontade, e por isso devemos criminalizar os clientes.
Como trabalhadoras sexuais, sabemos em primeira mão que a pobreza é um fator enorme em por que pessoas vendem sexo. Contudo, não entendemos por que criminalizar a fonte de renda das pessoas que vendem sexo é apresentado como uma “solução” para a imposição econômica da pobreza. Se os participantes dessas campanhas estão preocupados com o fato de a pobreza remover as opções das pessoas, sugerimos que uma solução real seria atacar a pobreza, e não criminalizar o que é frequentemente a última opção que as pessoas têm para sobreviver à pobreza.
Por isso, estamos propondo:
– Cuidado universal gratuito para crianças 24 horas por dia: Muitas mulheres que vendem sexo o fazem para sustentar seus filhos, frequentemente porque são mães solteiras. A flexibilidade do trabalho sexual se adéqua às responsabilidade do cuidado com crianças. Se pais solteiros – que são em sua maioria mulheres, ou pessoas vistas como mulheres – pudessem confiar em um serviço de cuidados para crianças gratuito 24 horas por dia, elas teriam uma nova flexibilidade para assumir outro trabalho, fora o trabalho sexual. Isso ajudaria as pessoas que querem mudar do trabalho sexual para outras formas de trabalho a serem capazes de fazer isso.
– Migrantes têm que poder trabalhar legalmente: Atualmente, refugiados e migrantes que estão esperando para ouvir o resultado de seu pedido para ficar no Reino Unido não têm permissão para trabalhar legalmente. Isso significa que quando trabalham, eles estão vulneráveis à exploração, por exemplo no caso de empregadores que não pagam o salário mínimo. Migrantes que estão à espera do resultado de seu pedido para ficar recebem apenas 70% do benefício semanal para desempregados em busca de trabalho, um número que os coloca explicitamente abaixo da linha de pobreza. O governo britânico obriga as pessoas a viverem na pobreza, o que significa que migrantes mulheres e LBGTQ estão tomando uma decisão compreensível ao vender sexo. Se os migrantes fossem autorizados a trabalhar legalmente – e, portanto, se a eles fossem oferecidas proteções básicas, como o salário mínimo -, o aumento das opções disponíveis significaria que menos migrantes se sentiriam obrigadas pela pobreza a vender sexo.
– Acabar com a diferença de salários entre gêneros entre trabalhadores de tempo parcial: 74% daqueles que trabalham em tempo parcial são mulheres, e mulheres de cor e migrantes (documentadas e sem documentos) são, mais provavelmente, parte dessa força de trabalho. Mulheres que trabalham em tempo parcial recebem um salário médio por hora que é 34% do salário médio por hora pago a trabalhadores masculinos que trabalham em tempo integral, e esses números são piores no caso das mulheres de cor, que sofrem dupla discriminação. Mulheres e pessoas de cor, especialmente mulheres de cor, precisam de pagamento igual por trabalho igual, e a disparidade é mais gritante no caso do trabalho em tempo parcial. Alcançar essa meta significaria que as mulheres que querem parar de vender sexo poderiam mudar para outros trabalhos flexíveis de tempo parcial sem sofrer com uma diferença de salários enorme e ilegal e com a pobreza que ela provoca.
– Assegurar moradia para todos: Muitas mulheres e pessoas LGBTQ, inclusive jovens, que são sem-teto ou sofrem com moradias inseguras, vendem sexo. Somos solidárias com as mães do Focus E15: moradia social sim, limpeza social não! Todo mundo deveria ter acesso a moradia segura e acessível, que trate seus laços comunitários como importantes. Se nós, como sociedade, escolhemos dar prioridade ao fim da carência de moradias por meio da provisão de recursos adequados e de apoio centrado na pessoa (ao invés de abordagens punitivas e da criminalização cada vez maior dos sem-teto), deveríamos expandir as opções para as pessoas que não têm moradia e que atualmente vendem sexo para sobreviver.
– Renda básica universal: Nossa sociedade deveria concordar com um padrão básico de vida abaixo do qual ninguém deveria cair. Isso deveria incluir a capacidade de pagar por moradia, alimentar-se e à família, comprar roupas e pagar por combustível suficiente para aquecer a casa e cozinhar. Argumentamos que isso deveria incluir acesso ao transporte público, telefone celular e acesso à internet, assim como acesso a serviços de lazer como bibliotecas e piscinas. Uma renda básica universal reconheceria que absolutamente todos deveriam poder viver com dignidade, independentemente do trabalho pago que eles fazem ou deixam de fazer. Isso seria o reconhecimento de que muito trabalho fundamental – mesmo aquele exercido por mulheres, como criar crianças, tarefas domésticas e cuidar de parentes idosos – atualmente não é pago. Se todas as pessoas no Reino Unido tivessem o direito a uma renda básica universal, ninguém seria empurrado pela pobreza absoluta a vender sexo.
Se qualquer uma ou todas essas políticas forem implementadas, um número menor de pessoas será obrigada pela pobreza a vender sexo. Ao oferecer opções adicionais para as pessoas que vendem sexo, essas políticas tratam as trabalhadoras sexuais com respeito, como pessoas que têm o melhor conhecimento sobre suas próprias vidas. Isso contrasta com a abordagem de criminalizar clientes, que é uma política punitiva, paternalista, de “um tamanho único que serve para todos”, que não traz nenhuma opção nova e que tenta afastar as pessoas do trabalho sexual com a ameaça de pobreza renovada (o que mais a criminalização de nossa fonte de renda faz?), além de piorar as condições de trabalho.
O argumento muito comum de que “não é a pobreza que cria a prostituição, e sim a demanda por parte dos homens” localiza o problema não na pobreza, mas no fato de que algumas pessoas reagem à pobreza decidindo vender sexo. Quando esses argumentos são reunidos em favor de leis para “acabar com a demanda”, eles identificam a “prostituição” como a questão a ser atacada, deixando a pobreza intocada, Enquanto uma pessoa não vende sexo, sua pobreza é aceitável para essas campanhas. Bem, como trabalhadoras sexuais, temos uma objeção moral à pobreza. A pobreza é objetificante, degradante e punitiva. Uma sociedade que aceita a pobreza, ou acha a pobreza inevitável, não respeita a mulher. Pobreza é uma forma de violência que afeta as pessoas marginalizadas de uma maneira desproporcional. A pobreza não tem como ser tornada segura.
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